Tinta, cola, pincéis, papel e caneta. O ambiente lembra diversão. Brincadeiras à parte, por trás de sorrisos há crianças que já têm em sua história uma mãe encarcerada. A brincadeira entre mães e filhos ocorreu, nesta quarta-feira (24), em Jataí, durante a visita dos filhos às mães presas. A ação faz parte do Programa Amparando Filhos – Transformando Realidades com a Comunidade Solidária, que é inédito no País e realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO).

Atento a toda movimentação, estava o coordenador local do programa e diretor do Foro local, juiz Sérgio Brito Teixeira e Silva, que também é titular da 1ª Vara Cível e Infância e Juventude de Jataí. Ele disse que acompanha algumas visitas, para verificar se tudo está ocorrendo dentro da normalidade e se há algo a melhorar. “A ideia é fazer com que esse encontro seja realizado em ambiente diferente do cárcere. O presídio é um local pesado e os filhos dessas mulheres já sofrem com a situação. Por isso, há toda uma preparação para que esse momento não remeta a um presidio”, ressaltou.

O magistrado destacou que, estudos apontam que a chance de filhos de pais presos se envolverem no crime é maior quando a situação é diferente da proprocionada pelo Amparando Filhos. Assim, para ele, o programa proporciona o rompimento desse paradigma, por meio de um acompanhamento integral dos menores. “O importante da inciativa é romper com isso e fazer com que as presas repensem seus atos a partir do vínculo que é criado durante os encontros”, afirmou Sérgio Brito.

De acordo com o juiz, as visitam ocorrem a cada 15 dias, no Centro Especializado de Assistência Social (Creas) e duram em torno de duas horas. Momento em que as crianças brincam, correm, participam de oficinas, assistem a teatros, lancham e, claro, ficam no colo da mãe. Além disso, as agentes prisionais que acompanham e fazem o transporte das presas ficam disfarçadas no meio das pessoas. “Tudo é pensado para proporcionar o bem-estar dos filhos das presas. Uma criança que não fez nada e não tem culpa do que a mãe fez não pode ser punida. O filho de uma mãe encarcerada já nasce praticamente preso também”, frisou.

Fora do cárcere
Aos 11 anos, a jovem A., foi visitar a mãe pela primeira vez. “Depois que ela foi presa só fui vê-la agora, não quis ir ao presídio. Lá não é ambiente para mim”, disse a menina ao garantir que já sabe como é a prisão. A mãe dela, de 31 anos, está na cadeia pela segunda vez, agora, por tentativa de homicídio. A primeira foi por ter matado um homem. “Na escola quando falo que minha mãe está presa, algumas pessoas não acreditam e acham que estou brincando. Não tenho vergonha, mas também não acho bom”, contou.

Além de A., a presa tem outros cinco filhos, destes, quatro estavam na visita. “Essa tem 2 anos, o menino tem 5 e o bebê está com 4 meses”, relatou mostrando cada um dos filhos. “Os outros dois estão com as avós”, disse. Quem trouxe os filhos para ver a mãe foi o pai, que cuida deles sozinho. “Ele está com a guarda. Mas quero ter o meus filhos. Não estou usando mais drogas. O maiorzinho – o de 5 anos – fica me perguntando que dia vou voltar para casa”, contou, ao responder que será logo, mas na verdade não faz ideia de quando sairá da cadeia.

O pai das crianças, que é pedreiro, diz que não é fácil cuidar dos meninos sozinhos. “O de 5 anos eu levo comigo para o trabalho, os outros ficam na creche. Sei que eles sentem falta dela. E o que eu mais queria era que isso fosse um sonho e ela voltasse para casa. Não é pensando em mim, mas nas crianças”, desabafou.

Os dois filhos de W., de 25 anos, visitam a mãe desde o primeiro encontro realizado no Creas. “A minha liberdade é o meu sonho. Com ela, vou poder ficar junto dos meus dois filhos”, relatou, ao contar que tem três filhos, o de 9 anos mora com pai, o de 4 com a tia e o de 8 meses está sob os cuidados da companheira, em guarda provisória. A despedida dos filhos é dolorosa. “Mãe, por que você não vai embora?”, questionou a criança de 4 anos. A resposta, mesmo que não é verdadeira, é dada ao filho. “Porque eu vou trabalhar” e chora.

Presa por de matado o cunhado em outubro de 2014, N., de 23, tem um filho de 7 que mora com o avô. Ela disse que inicialmente não quis aderir ao programa, mas ao ouvir os comentários das outras presas, resolveu participar. E foi por isso que passou a ter contato com o filho novamente. “Eu entreguei ele para o meu pai desde os 6 meses. Não tinha condição de criar porque usava muita droga”, revelou. O pai de N. disse que faz questão de levar o neto para ver a mãe, mas só o trouxe porque a visita está e realizada fora do presidio. “Nunca levei ele lá nem levarei”, finalizou o avô, que o menino chama de pai.

O Programa
Idealizado pelo juiz Fernando Augusto Chacha Rezende, da comarca de Serranópolis, o Programa Amparando Filhos – Transformando Realidades com a Comunidade Solidária foi instituído pelo Decreto Judiciário nº 2807/2015. A iniciativa tem por objetivo apoiar crianças e adolescentes, filhos de mulheres encarceradas nos presídios, no processo de desenvolvimento de suas habilidades individuais, interpessoais, comunitárias, psicológicas e sociais, no sentido de fortalecê-los para a construção de um projeto de vida pró-ativo e saudável, baseado em sonhos e metas, evitando-se a repetição da história familiar marcada pelo crime. (Texto: Arianne Lopes - Fotos: Aline Caetano - Centro de Comunicação Social do TJGO)

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