Criado em 1973, o Código de Processo Civil (CPC) cede lugar, nesta sexta-feira (18), ao novo diploma legal, instituído pela Lei n° 13.105/2015, mais moderno e condizente com a realidade jurídica e social brasileira. Nos 43 anos de vigência, várias reformas pontuais foram necessárias, o que terminou por descaracterizá-lo, chamado, informalmente, de “colcha de retalhos”. Diferente do antecessor, o novo dispositivo já nasce com um sistema conexo, a fim de evitar incompatibilidades e inadequações com própria Constituição Federal de 1988.

Em mais de quatro décadas de intervalo entre os códigos, os hábitos e as demandas da população mudaram. No início dos anos 70, o país totalizava 93 milhões de habitantes. Hoje, são mais de 200 milhões de brasileiros, com 100 milhões de processos em tramitação. Apesar de não haver dados consolidados sobre o número de ações judiciais da época, estima-se que a quantidade era bastante menor.

Segundo o juiz titular da 1ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Reinado Alves Ferreira, o perfil processual também mudou. “Naquela época, não havia demandas de massa, e sim, ações individuais, ao contrário de hoje. O novo CPC já contempla alguns incidentes que têm por finalidade evitar a repetição do ajuizamento de demandas de massa idênticas”.

Ainda conforme o magistrado, o crescimento estrondoso das demandas começou a ocorrer após a Constituição Federal “A Carta Magna deu uma conotação do princípio de acesso à Justiça, nunca antes visto em nosso país. Hoje há a judicialização de tudo e o novo CPC está preparado para lidar com esse cenário”.

As características sociais também influenciaram na formulação do dispositivo. Em 1973, apenas 18% das mulheres trabalhavam fora de casa, sendo, o restante, dependente economicamente de seus pais ou maridos, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A disparidade entre gêneros, por exemplo, foi percebida na lei, que encarava a figura feminina como parte hipossuficiente num matrimônio: o divórcio não existia e, para a separação do casal insatisfeito, o foro competente era, obrigatoriamente, o da mulher. Hoje, o CPC entende como a parte mais frágil da relação o guardião do filho incapaz, independente do sexo, que ganha o privilégio de ajuizar o processo na comarca de sua residência, a fim de evitar viagens e deslocamentos quando é necessário cuidar do menor. O ponto é coerente com a Carta Magna, que prevê igualdade entre homens e mulheres.


Opiniões

Sebastião José de Assis Neto

Para o juiz-auxiliar da Presidência Sebastião José de Assis Neto (foto à esquerda), “o Direito tem de se adequar aos fatos, e não o contrário”, sintetiza ao falar sobre as mudanças promovidas com o novo diploma. Segundo o magistrado, uma das grandes inovações é o caráter mais prático do ponto de vista do alcance dos resultados. “O novo CPC foi criado contemplando o sincretismo processual: reunindo ações diferentes, como de conhecimento, execução e cautelar, dentro de um mesmo processo. É uma forma mais racional, que começou a ser vista a partir, apenas, das mudanças ocorridas a partir de 1994”.

A distribuição dinâmica do ônus da prova é, também, uma das inovações. “Ao autor, caberia, antes, o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito; e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Agora, o magistrado pode analisar as peculiaridades de cada causa para incumbir as partes de demonstrar suas provas”, explica o juiz auxiliar da Presidência.


Marcus da Costa Ferreira

Como juiz substituto em segundo grau, Marcus da Costa Ferreira (foto à direita) acredita que “a redução do número de recursos é uma das mudanças mais significativas no âmbito do Tribunal de Justiça”. Com o novo CPC, houve a extinção de várias formas recursais anteriores, como os embargos infringentes e o agravo retido, que, agora, serão combatidas em sede de agravo de instrumento.

A valorização dos precedentes judiciais também representa uma das maiores alterações, no ponto de vista do magistrado. “Há, agora, uma mudança de paradigma de sair do livre convencimento motivado para a cultura dos precedentes. Isso já é realizado em vários países do Common Law (estrutura mais utilizada por países de origem anglo-saxônica como Estados Unidos e Inglaterra, na qual o Direito se baseia mais na Jurisprudência que no texto da lei), mas, no Brasil, é uma novidade completa”.

No ponto de vista de Marcus, contudo, o novo CPC, apesar de trazer inovações, contribui para a burocratização da justiça. “É vendida a ideia de que o novo código vai fazer com que o processo ande mais rápido, contudo, vai demorar mais, já que procedimentos foram burocratizados”.

Reinaldo Alves Ferreira

“As reformas pontuais impediam a interpretação sistêmica do Código de Processo Civil de 1973. O novo tem como característica positiva criar um sistema harmônico e mais coerente que evite armadilhas na aplicação de seus institutos", conforme destacou o juiz Reinaldo Alves Ferreira (foto à esquerda), da 1ª Vara da Fazenda Pública Estadual.

O magistrado acredita, também, numa grande mudança de paradigma. "Saímos de um modelo mais individualista para um comunitário, em que adota o princípio cooperativo, em que todos os sujeitos do processo exercem papel fundamental na construção das decisões e das soluções produzidas no processo".

O papel do magistrado também é alterado com o novo CPC, coforme elucida Reinaldo Ferreira. "Acaba a figura do juiz solipsista, que age sozinho. O magistrado não é mais o único protagonista do processo, ele tem de ter consciência disso, uma vez que esse conceito permeia todo o código. A grande vantagem desse código é assegurar que as decisões sejam construídas num ambiente mais democrático".

Incoerências do antigo CPC e a CF também são sanadas. "O contraditório como admitido no código anterior não atendia ao modelo constitucional de processo, uma vez que não permitia que as partes exercessem o poder de influência em toda sua dimensão”.

Veja alguns pontos importantes de mudança

PROCESSOS
Passam a ser julgados por ordem cronológica
Escrivania deve apresentar lista pública de quais julgará
Podem ser arquivados no início da análise, caso contrariem jurisprudência
Prazos passam a ser contados em dias úteis, e não corridos, como hoje

RECURSOS
Alguns deles são extintos, como os embargos infringentes cíveis. Contudo, existirá modalidade de reapreciação das decisões dos Tribunais proferidas por maioria, com prosseguimento do julgamento em nova sessão e com a presença de novos julgadores em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial. 
Multa de até 20% do valor da causa para recursos comprovadamente protelatórios

JULGAMENTOS
Ações iguais vão ser julgadas de uma só vez
Ações que tratem de interesses de grupos podem ser convertidas em ações coletivas

ADVOGADOS
Advogados públicos receberão honorários em causas vitoriosas
Prazos dos processos vão ser suspensos entre 20/12 e 20/01, permitindo férias aos advogados
Podem fazer defesas por videoconferências em cidades onde têm escritórios
Juízes não podem analisar causas de escritórios que tenham parentes até terceiro grau

CONCILIAÇÃO
Serão criados centros judiciários para audiências de conciliação
Réu será citado primeiro para a conciliação, só depois para a defesa
Ações de família terão regras para priorizar inicialmente a mediação

FAMÍLIA
Mantém prisão para não pagadores de pensões alimentícias, que têm direito a celas especiais
Separação judicial antes do divórcio, como previsto no Código Civil
Amplia para as uniões estáveis a participação dos dois companheiros em ações judiciais que envolvam imóveis do casal

BANCOS
Banco do Brasil e Caixa passam a ter monopólio sobre depósitos judiciais

TERRAS
Em invasões superiores a um ano, juiz deve primeiro tentar conciliação antes da reintegração de posse

CRÉDITO
Permite a inscrição do nome no sistema de proteção ao crédito para pessoas que não efetivarem pagamentos previstos em sentenças irrecorríveis 

(Texto: Lilian Cury - Centro de Comunicação Social do TJGO)