A juíza Maria Umbelina Zorzetti, da 12ª Vara Criminal de Goiânia, condenou uma médica a um ano e três meses de detenção pelo homicídio culposo de um paciente. O tipo criminal ocorre quando não há intenção de matar, mas, no caso, foi provocado pela falta de cuidado no diagnóstico do enfermo, que morreu três horas após a alta hospitalar, com ruptura da dissecção aórtica. Ele havia sido diagnosticado, pela acusada, com má digestão. A ré também deverá pagar indenização por danos morais à viúva, arbitrada em R$ 20 mil.

Na sentença, a magistrada destacou que era previsível a ocorrência do resultado danoso em razão da conduta imprudente e negligente da acusada, no exercício da sua profissão de médica, “ao faltar com a cautela e os cuidados necessários no atendimento prestado à vítima, bem como lhe dar alta apenas com a melhora da dor, emergindo evidente o resultado morte, como infelizmente aconteceu. Em vista disso, o perigo era conhecido”, ao não observar os protocolos conhecidos de dores toráxicas.

Protocolo de atendimento cardíaco

A denúncia narra que, no dia 31 de março, a vítima deu entrada no Hospital do Coração Anis Rassi, onde teve o primeiro atendimento com leves dores no peito. A primeira médica que o atendeu também foi denunciada por homicídio, mas foi absolvida pois observou o protocolo de verificação de doença cardíaca: pediu exames de sangue e eletrocardiograma, que não apontaram, na data, indícios de infarto ou outro problema cardíaco.

Como as dores no peito e abdômen continuaram e se intensificaram no dia seguinte, o homem procurou o Pronto Atendimento da Unimed, onde foi atendido pela ré. Na unidade de saúde, a médica não solicitou exames e prescreveu remédios para refluxo gástrico. Após a alta, a vítima foi para a casa, onde morreu no sofá.

Por meio de autópsia cadavérica, foi constatada que a causa da morte foi ruptura de dissecção da aorta, lesão que faz com que o sangue invada as camadas mais internas da aorta e, assim, diminui a irrigação dos órgãos, requerendo atendimento imediato. O sintoma principal é dor intensa e súbita no tórax. Dependendo da localização da dissecção, a dor pode irradiar para pescoço, costas ou abdômen, como a vítima sentia.

Para proferir a sentença, Maria Umbelina destacou conhecimentos da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre causas da dor torácica e diagnóstico diferencial. Dessa forma, a magistrada ponderou que a primeira médica, apesar de conceder alta, observou os critérios estabelecidos, com requisição de exames, mas a segunda, por sua vez, foi negligente. Ela ouviu outros cardiologistas que alegaram, inclusive, que a persistência de dor na vítima geraria a necessidade de internação e a realização de outros exames complementares para uma investigação aprofundada.

“A acusada ignorou completamente procedimentos médicos relevantes no atendimento à vítima e ainda deixou de adotar o protocolo para a investigação de dor torácica, mesmo tendo pleno conhecimento que a dor da vítima era recorrente, e ainda que a vítima apresentava outros sintomas, que embora fossem característicos de refluxos, também eram recorrentes a pessoas acometidas com problemas cardíacos”, frisou a juíza.

Maria Umbelina ainda afirmou que a ré foi “displicente no agir e faltou com a precaução que lhe era necessária”. Em defesa, a médica alegou que confiou no laudo do primeiro hospital, relatado pelo paciente, que excluía problema cardíaco. Contudo, para a magistrada, “o fato da acusada simplesmente acreditar no diagnóstico anterior e não realizar qualquer tipo de exame para confirmá-lo ou afastá-lo, deixa claro sua negligência, mesmo diante de uma possível dor atípica para doença coronariana”.

Como a vítima morreu apenas três horas após a alta, a magistrada afirmou ter ficado evidente que o mau súbito poderia ter ocorrido no interior de um hospital, caso tivesse sido observado o protocolo de emergência para dor toráxica. “Caso a doença evoluísse com o resultado morte da vítima, mesmo após a realização dos procedimentos indicados, com a correta investigação da causa da dor recorrente e os demais sintomas, a acusada não teria a responsabilidade (culpa) no resultado morte, já que teria tomado todas as medidas que estavam ao seu alcance para investigar o mal que acometia a vítima”, finalizou a juíza. Veja sentença. (Texto: Lilian Cury - Centro de Comunicação Social do TJGO)