O Poder Judiciário brasileiro deverá adotar práticas de Justiça Restaurativa para coibir a violência doméstica, conforme determinou nesta semana a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia. O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) já é pioneiro nesse sentido, desde 2015, com o funcionamento de práticas diversas em comarcas, além de Goiânia, como Alexânia, Anicuns, Itapuranga, Jataí, Luziânia e Rio Verde.

A intenção é, segundo a desembargadora Sandra Regina Teodoro Reis, presidente da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar e Execução Penal, desenvolver, cada vez mais, ações voltadas ao desenvolvimento de projetos que contribuam para prevenção de casos abrangidos na Lei Maria da Penha e fomentar a rede de enfrentamento à violência contra as mulheres, em consonância com as metas nacionais propostas pelo CNJ para este ano.

“A Justiça Restaurativa é de suma importância para a resolução dos casos de violência contra as mulheres, pois por meio dela dá-se atenção tanto para as vítimas como para os ofensores. Com aplicação de práticas restaurativas podemos ainda romper o ciclo de violência doméstica e familiar e acabar a reincidência dos casos”, defende a magistrada, que anunciou, ainda, planos de estudo para expansão para mais comarcas.

Abordar a violência em diferentes perspectivas é o mote das iniciativas desenvolvidas em Goiás. Em Luziânia, uma das comarcas precursoras no assunto, é realizado o projeto Dialogando a Gente se Entende, que promove uma mediação diferenciada ao colocar vítima e autor da agressão frente a frente, intermediados por um profissional especializado, e os Círculos Restaurativos, consistentes em encontros com as mulheres inseridas nas medidas protetivas, com objetivo de acolher e tratar o psicológico em terapias grupais.

São mais de 6 mil ações penais na 2ª Vara criminal da comarca de Luziânia e um terço corresponde à Lei Maria da Penha. Muitas vezes, um réu já foi condenado por agressão ou ameaça à mulher reincide no mesmo delito. Para mudar esse cenário, a juíza titular da unidade, Alice Teles de Oliveira, iniciou o projeto de mediação, idealizado pela servidora Maria Lúcia de Castro.

A iniciativa não interfere no trâmite do processo penal ou numa futura condenação, e são encaminhados, apenas, os casos em que há possibilidade de diálogo, respeitando vontade da mulher, conforme a magistrada esclarece. “Há muitas situações em que a vítima não quer mais contato com o ex-companheiro e é preciso ponderar isso. Contudo, há muitos outras circunstâncias em que o vínculo afetivo é maior que a agressão ou o casal reata, mesmo com a ação penal em trâmite”.

Um pré-requisito, inclusive, é receber réu e denunciante em audiência judicial antes de sugerir a mediação. Mesmo nas situações em que há a separação de corpos, a mediação também pode colaborar com o convívio familiar. “A intenção é, também, resolver problemas que vão além do crime, de interesse social ou econômico das partes. Muitos têm filhos e bens em comum. É preciso incentivar a harmonia entre ambos e não apenas promover a punição”, sintetiza Alice.

Para a magistrada, o projeto tem uma função social importante e complementa sua atuação. “Esse tipo de conflito não se finaliza, apenas, com uma sentença condenatória. Se não tratado, ele permanece. O juiz tem de ser sensível para saber que seu papel não termina quando é proferido o veredicto”.

Idealizadora do Dialogando A Gente Se Entende, a servidora Maria Lúcia de Castro acredita que pode atuar como facilitadora do diálogo familiar, de uma forma holística. “O trabalho do mediador tem o poder de desconstruir o conflito, fazendo com que os participantes reconheçam o cerne do problema e busquem as próprias soluções que vão satisfazer a ambos”, destacou.

Com o êxito da iniciativa, foi criado, no ano passado, o Posto Avançado da Justiça Restaurativa na comarca de Luziânia, pelo Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec).

Grupos Reflexivos

Com os Grupos Reflexivos, os autores de agressões participam compulsoriamente de reuniões semanais, conforme determinação judicial, impostas nas medidas protetivas, isto é, logo no início do curso processual. O projeto foi criado em Goiânia, em 2015, parceria com o Conselho da Comunidade na Execução Penal de Aparecida de Goiânia, Secretaria Cidadã, Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), Prefeitura de Goiânia e se estendeu às comarcas de Alexânia, Anicuns, Itapuranga, Jataí e Rio Verde, com parcerias locais.

A psicóloga e professora universitária Vera Morselli é uma das integrantes dos Grupos Reflexivos na capital e reforça a importância do projeto e da iniciativa do Poder Judiciário, além de promover, apenas, a punição penal. “Abordar a violência pelo viés do agressor e romper essa cultura de poder e propriedade com que é vista a mulher é necessário para extinguir a violência de gênero”. (Texto: Lilian Cury - Centro de Comunicação Social)