Após a criação da Lei Maria da Penha – há quase 11 anos –, o número de denúncias de crimes de violência de gênero tem aumentado em todo o País. Até setembro de 2016, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária (SSPAP), foram recebidas mais de 10,3 mil queixas de violência doméstica no Estado. Em 2015, esse número chegou a quase 18 mil. Em Itapuranga, a solução para tentar reduzir esse número passa por 12 encontros com duração de cerca de uma hora e meia.

Toda quinta-feira, no auditório do Tribunal do Júri da comarca, homens que respondem a processos relacionados à violência doméstica frequentam a Oficina Terapêutica para Coibir e Prevenir a Violência doméstica contra a Mulher. A presença é obrigatória. Sentados em círculo, os participantes ouvem, falam e trocam experiências. A iniciativa é da diretora do Foro de Itapuranga, juíza Julyane Neves (foto à direita), em parceria com o psicólogo Celso Cruz, que coordena os encontros.

“Diante da constatação do grande número de ações envolvendo violência doméstica na comarca, verifiquei a necessidade de oferecer um tratamento diferenciado aos respectivos casos, com a finalidade de evitar reincidência de atos violentos contra a mulher, tendo em vista que também é papel do magistrado promover ações sociais imediatas voltadas à prevenção de crimes, principalmente desta natureza e gravidade”, enfatizou magistrada.

Segundo ela, tudo começa a partir de uma decisão judicial que envolve violência doméstica, em que as mulheres pedem medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha. Nesta decisão, os agressores, dentre outras condições, ficam obrigados a comparecerem aos 12 encontros.

Iniciado em janeiro, a juíza já chama atenção para a evolução dos agressores que participaram das oficinas. Os quais, de acordo com ela, têm demostrado grande interesse em participar das oficinas, no intuito de progredirem em suas relações íntimas de afeto. Além disso, Julyane afirmou que não foi verificada reincidência de casos de violência doméstica por parte dos participantes, demostrando assim um resultado positivo do programa.

Relatos
Apesar dos homens estarem no local pelo mesmo motivo, não há um perfil bem definido. Os participantes são de todas as classes sociais, várias idades e diferentes profissões. De jovens a idosos - entre 20 a 60 anos. Há estudantes, lavradores, mecânicos, agropecuaristas, pedreiros e desempregados.

O lavrador J.T.M, de 55 anos, se despediu do grupo. Para ele, foi a último dia de oficina. “Eu aprendi muitas coisas. Eles deram uns conselhos bons para a gente”, afirmou. “A gente erra, mas agora não vou fazer mais isso”, completou. Ele afirma que agrediu a esposa após beber. “Tô aqui porque bebi umas pingas. Eu sou bruto e ela também daí deu no que deu”. Apesar de ter sido preso pela primeira vez, ele disse que não é a primeira vez que agrediu a mulher. “Vi que a gente paga quando faz coisa errada. Vendi minha carroça para pagar a fiança. Não faço isso nunca mais. Aprendi aqui a ser menos bruto. Estou saindo outra pessoa”, garantiu.

Aos 21 anos de idade, o domador de cavalos J.A.O participa da sua terceira sessão na oficina. Segundo ele, apesar de estar no início, já aprendeu muito. “Estou arrependido do que eu fiz. Ela avançou em mim e eu dei um murro nela. Sou muito estressado, mas aqui estou aprendendo a me controlar. Estou muito mais paciente, mais calmo e sei que vou melhorar ainda mais”, contou ele que já passa adiante os ensinamentos aprendidos no curso. “Estava com um amigo numa pamonharia e ele brigou com a namorada. Eu falei para ele não fazer bobeira porque ia sofrer as consequências”, contou aos participantes. Ele disse que gosta dos encontros e afirma que é o momento em que pensa em tudo o que fez e fará daqui para frente. “Não sei como será daqui para frente. Não conversamos. Ela está grávida e nossa filha nascerá em junho. Mas de uma coisa eu sei: em mulher a gente não bate e não trai. Você tem que deixar ela no canto dela”, finalizou.

Uma discussão com a esposa levou o agropecuarista S.S, de 43 anos, a participar das oficinas. Em seu sétimo encontro, o homem garante que está se “reeducando”. Ele vê nos encontros uma oportunidade de crescer a cada dia. “As oficinas estão servindo para nos colocar na linha. Estou satisfeito e agradecido”. Oportunidade também aproveitada por A.A.J, de 62 anos. Ele era vigilante e atualmente está desempregado. O idoso tem consciência de que, se não fossem os encontros, não teria condições de receber ajuda profissional. “Sou do modelo antigo e ignorante. Aqui, eu aprendo a pensar antes de agir. Aprendi tantas coisas e hoje eu tenho cabeça para pensar. Estou gostando tanto que, quando acabar, quero continuar participando. Aqui estou tendo a oportunidade de ouvir e aprender, na cadeia eu nunca teria isso”, relatou, ao lembrar que está no oitavo encontro.

A rotina do mecânico e lanterneiro, C.J.S, de 35 anos, também mudou. Todas as quintas-feiras, ele participa das oficinas e reconhece que agiu errado ao discutir com a mulher. Reconhecimento que veio somente após o terceiro encontro. “Antes eu não via o meu erro. Sempre achava que eu estava certo. Ouvir foi a maior lição que aprendi desde que estou aqui. Quero trabalhar e viver e nunca mais ser preso. Foi a pior experiência que tive na minha vida. Ou você participa ou vai preso”, pontuou, ao relevar que ficou 58 dias preso, em razão da agressão.

Objetivo
Julyane Neves frisou que o objetivo do programa é evitar a reincidência por parte do agressor, ou seja, que esse homem volte a agredir uma mulher no âmbito das relações domésticas e familiares, bem como de que ele seja disseminador da ideia de não agressão contra a mulher, na tentativa de prevenir que outros homens sigam por este caminho.

“O diferencial da iniciativa é a conscientização imediata do agressor sobre a gravidade da violência doméstica e familiar, consistindo em uma medida protetiva em favor da mulher, que é constantemente tratada como um objeto de domínio, se tornando alvo de violências de toda sorte, tais como: psicológica, patrimonial ou física”, salientou a juíza.

De acordo com ela, a ideia surgiu com base em um projeto do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), o qual teve conhecimento por meio de um programa de televisão. “Então, quando cheguei na comarca e me deparei com os altos índices de casos de violência doméstica e familiar, notei que este era um local propício para a implantação do programa que se propõe a atender também o homem agressor, a fim de diminuir a reincidência em tais casos”, pontuou.

Responsabilização pelos atos
O ponto de partida do trabalho, segundo o psicólogo Celso Cruz, é que os homens tenham consciência e se responsabilizem pelos atos cometidos. Para ele, as pessoas chegam com resistência no grupo, justificam suas condutas e colocam culpa na outra pessoa. “Um método que nos ajuda muito a conseguir a inversão deste modelo cognitivo é a escuta que todos fazem dos outros participantes do grupo, onde trabalhamos a empatia e a resignificação da vivência”, destacou.

De acordo com ele, a base do trabalho é melhorar a autoestima, potencializar as condutas positivas, corrigir os comportamentos inadequadas e valorizar os relacionamentos, trabalhando crenças culturais, sociais e individuais. “No grupo, existem pessoas que são usuárias de álcool, dependentes emocionais e outros perfis, que podem trazer dificuldades ao cotidiano dos envolvidos. Mas buscamos não discriminar o participante, levando-o a um ambiente aberto para realizar mudanças significativas em sua vida”, salientou Cruz. (Texto: Arianne Lopes / Fotos: Aline Caetano – Centro de Comunicação Social do TJGO) Veja a galeria de fotos