Hoje, as mulheres presas representam 6,4% da população carcerária do País, número que vem crescendo em ritmo muito maior do que a população carcerária do sexo masculino. De acordo com o levantamento nacional de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça (Infopen), em 15 anos (entre 2000 e 2014) a população carcerária feminina cresceu 567,4%, chegando a 37.380 detentas. Já a média de crescimento dos presos masculinos foi de 220,20% no mesmo período.

Em Goiás não é diferente. Segundo dados da Agência Prisional do Estado, até outubro de 2015 eram 713 mulheres encarceradas e a média de filhos chegou a três por mulher que estava na prisão. Enquanto estão na cadeia, estas crianças estão do lado de fora. A maioria delas fica com a avó materna, algumas chegam a morar com o pai e há aquelas que estão com uma família provisória. Esta é também a realidade em Cachoeira Alta.

E pensado no futuro dos rebentos dessas mulheres foi que o juiz Rodrigo de Melo Brustolin (na foto ao lado segurando o microfone) implantou na comarca, nesta sexta-feira (7), o Projeto Amparando Filhos –  Transformando Realidades com a Comunidade Solidaria. A solenidade de lançamento do projeto e também da implantação do Programa Justiça Educacional Cidadania e Justiça Também se Aprende na Escola ocorreu no Auditório do fórum local e contou com a presença do coordenador do Núcleo de Responsabilidade Social e Ambiental do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), desembargador Luiz Eduardo de Sousa e do idealizador e coordenador executivo do Amparando Filhos, juiz Fernando Augusto Chacha Rezende, da comarca de Serranópolis.

De acordo com o Rodrigo Brustolin, o cunho social dos programas do Tribunal chamaram sua atenção. “Conheci o Amparando Filhos no ano passado, quando foi implantado na comarca de Serranópolis e passei a acompanhá-lo por meio das notícias postadas no site do TJGO e, naturalmente, simpatizei com seus objetivos de humanizar o cumprimento da reprimenda penal pelas detentas e amparar as crianças que se viram tolhidas do contato com a mãe”, frisou. Com relação ao Justiça Educacional, ele fez questão de lembrar que levou a iniciativa para São Miguel do Araguaia, onde foi juiz titular. “Pude, àquela época, perceber a importância de alertar desde cedo as crianças para os direitos e deveres inerentes à vida em sociedade, conhecimento indispensável ao pleno exercício da cidadania”, destacou.

O desembargador Luiz Eduardo (foto), observou que, com a implantação dos programas nas comarcas do interior, o Judiciário cumpre ainda mais o seu papel. De um lado, conforme ele frisou, a importância de transmitir às crianças conhecimentos e noções de cidadania e de outro, um resgate do vínculo. “Quando uma mãe é afastada do convívio familiar há um sofrimento dela , claro, do filho também. Por isso, o efeito do Amparando Filhos é positivo e o TJGO apoia também este projeto social fantástico”, salientou.

No entanto, o desembargador enfatizou que a iniciativa depende e funciona por meio da rede de proteção. “Na verdade esta rede já existe, o que estamos fazendo é apenas articulando. Sem os apoiadores, esse projeto ao tinha condições de ser levado adiante”, completou, ao citar que o êxito da ação está sustentada na solidariedade, no apadrinhamento e engajamento da sociedade civil organizada.

Cunho social
O juiz Rodrigo de Melo Brustolin, ressaltou que, embora distintos, os objetivos dos dois projetos sem completam. “A proteção das crianças que por força da lei tiveram o convívio materno interrompido, ainda que temporariamente, acabará por lhes trazer um pouco de dignidade material e psicológica até o final resgate da pena privativa de liberdade em meio fechado por sua genitora. Já o Justiça Educacional, entendo que as noções básicas de cidadania são importante instrumento de transformação social, assim como a divulgação das funções e atividades do Poder Judiciário acabará por aproximar o magistrado da sociedade, aumentando a legitimidade de sua atuação junto à comunidade em que vive”, reiterou.

Mulheres no crime
Segundo dados apresentados pelo juiz Fernando Chacha (foto à direita), na unidade prisional de Cachoeira Alta, 40% das mulheres foram presas por tráfico, 40% cometeram homicídios e 20% outro tipo de crime. No local, 60% dos filhos destas mulheres estão em Goiânia e Quirinópolis e apenas 10% estão em Cachoeira Dourada.

De acordo com o juiz, os efeitos colaterais negativos da prisão da mãe são muitos, daí a importância de acolher esses menores e tentar amenizar esses sofrimentos.

Enquanto responde pelos crimes de roubo e porte ilegal de arma na Unidade Prisional de Cachoeira Alta, três filhos de Tatiane Gonçalves da Silva (foto abaixo), de 32 anos, estão sob os cuidados de famílias provisórias e dois com os pais. “Todos estão separados. Tenho um de 14 anos que está com o pai no Mato Grasso, os de 10,11 e 12 estão com famílias provisórias e o mais novo, de 4 anos, mora com o pai”, contou.

Ela diz que tem contato apenas com uma filha, os outros nem sabem que ela está na cadeia. Presa em junho de 2015, a mãe chora ao falar dos filhos. “Eu só quero meus filhos comigo. Me arrependo do que eu fiz porque eu perdi a coisa mais importante da minha vida”, desabafou, ao garantir que quando sair da prisão vai refazer a vida. Longe dos filhos, a rotina na prisão não tem nenhuma novidade. “A única coisa que faço para o tempo passar rápido aqui dentro são tapetes”, disse.

Já Gilvânia Martins Ribeiro Santos, de 38 anos, foi condenada a 15 anos e 6 meses por homicídio. Mãe de dois filhos, uma de 19 anos e outro de 15 anos, ela também será beneficiada com o projeto Amparando Filhos. Apesar de o menino entender o que ela está fazendo na prisão e visitá-la sempre, ela diz que preferiria que o ambiente fosse outro. “Cadeia é cadeia, o clima aqui não é para filho. Ele vem e pede para quando eu sair não aprontar”, disse.

Hoje por ser a presa mais antiga da cadeia, Gilvânia trabalha da cozinha, na manutenção, e ajuda a cuidar da horta no local. “Eu gosto de ajudar aqui, mas não vejo a hora de sair para ficar com meus filhos e minha netinha que acabou de nascer”, revelou. Mas ela reconhece que não será fácil começar tudo de novo. “Vai ser difícil alguém me dar emprego, as pessoas julgam primeiro pela aparência. Eu já estou rotulada e todos sabem que fui presa”, desabafou.

Com apenas 21 anos e dois filhos, L.A.C – única que não quis se identificar – apesar de ser mais jovem,  tem a pena mais longa. Ela foi condenada a 25 anos de prisão, dos quais já cumpriu dois. Ao falar dos filhos, ela chora e diz que é muito difícil ficar longe das crianças. “Eu vou ficar muito tempo aqui. Meus filhos estão morando com minha mãe”, pontuou, sem querer falar mais sobre o assunto.

Tráfico de drogas
O tráfico de drogas representa 68% dos delitos praticados por mulheres no Brasil. Os outros 32% correspondem a outros tipos de crimes. E em Cachoeira Alta também é assim. A maioria das presas da cidade está na cadeia por tráfico de drogas. “No município fica a sede do Comando de Operações de Divisa (COD) da Polícia Militar, com isso, 90% dos reeducandos que estão aqui são de outros Estados”, informou um dos administradores do presídio, José Ferraz de Oliveira.

Segundo ele, o Amparando Filhos leva em consideração as particularidades da região. Ele garantiu que o Poder Judiciário terá total apoio para implantação do projeto. “Já temos todo o cuidado para tentarmos amenizar o sofrimento da família e o Amparando Filhos vai ao encontro daquilo que acreditamos. Para nós, os filhos não podem ser condenados também”, finalizou.

(Texto: Arianne Lopes / Fotos: Aline Caetano – Centro de Comunicação Social do TJGO)

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