Por unanimidade de votos, os integrantes da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) cassaram, por falta de provas, sentença da comarca de Campinorte, que havia condenado a Saneamento de Goiás S/A ao pagamento de R$ 5 mil a título de indenização por danos morais a um morador, em razão do fornecimento de água com coloração diferente. 

 

Com isso, no voto do desembargador-relator Carlos Alberto França (foto à direita), referendado pelo colegiado, foi determinado o retorno dos autos ao juízo de origem para a devida dilação probatória, com a realização de prova pericial e testemunhal para comprovação dos fatos pelo morador da cidade. Somente em sessão realizada na terça-feira (20), a 2ª Câmara Cível julgou sete processos relacionados a esse caso de água com coloração alterada em Campinorte.

O magistrado fez questão de registrar que já proferiu voto no sentido de manutenção da sentença condenatória da Saneago ao pagamento de reparação moral a moradores de Campinorte. Portanto, ao analisar e refletir sobre o tema, chegou a conclusão diferente.

Carlos França ressaltou que não houve a comprovação dos fatos, nem se verificou o abalo sofrido pelo morador de que ele teria utilizado-se da água com coloração alterada, uma vez que foram anexadas aos autos fotos genéricas retiradas de redes sociais e utilizadas em todos os processos da mesma natureza ajuizados pelos consumidores. Segundo ele é fato notório que existem diversas ações similares à presente em trâmite perante a comarca de Campinorte, já tendo sido vários recursos julgados por este Tribunal de Justiça. Contudo, ele observou, faz-se necessária produção probatória acerca da comprovação do dano moral suportado pelos consumidores, pois todos eles trazem as mesmas alegações e, inclusive, as mesmas fotos retiradas da internet para demonstrarem a coloração alterada da água fornecida pela apelante, sem, contudo, comprovarem que, de fato, a referida água chegou às torneiras de sua casa com a coloração alterada e que a consumiram.

De acordo com Carlos Alberto França, não há nos autos qualquer prova no sentido de que o morador estava na cidade naqueles dias em que a água fornecida pela empresa estava com cor alterada ou de que referida água era imprópria para o consumo, o que somente poderá ser demonstrado mediante perícia.

“Reitere-se, a inicial foi acompanhada de postagem da internet e notícia da imprensa, não individualizando os consumidores que consumiram a água com coloração alterada, abrindo espaço para que todos os moradores da cidade de Campinorte ajuízem ações de indenização em desfavor da Saneago. Muito embora o acesso ao Poder Judiciário seja uma garantia constitucional, não pode ser olvidado que à parte autora compete a produção de prova do fato constitutivo do alegado direito”, salientou o desembargador.

Provas
Para Carlos Alberto França, pelo princípio da persuasão racional, o magistrado deve formar a consciência da verdade pela livre apreciação das provas colhidas, formando juízo de valor sobre sua credibilidade. Para reforçar seu entendimento, o desembargador citou Celso Agrícola Barbi que diz que “no sistema da livre convicção do juiz, este aprecia livremente as provas, sem qualquer limitação legal, e lhes dá o valor que entender adequado... A liberdade concedida ao juiz na apreciação das provas não significa arbítrio. Para evitar que este surja, a parte final do artigo impõe ao juiz indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento. Eles não constituem os fundamentos de fato a que se refere o artigo 458, II, mas sim a explicação de como o juiz se convenceu da existência ou inexistência dos fatos em que se baseia a sentença”.

De acordo o relator, a doutrina e a jurisprudência pátria vêm sedimentando o entendimento segundo o qual o julgamento antecipado da lide não induz cerceamento do direito de defesa, quando a prova documental apresentada pelas partes for suficiente para embasar a convicção do julgador sentenciante.

Entretanto, conforme destacou o desembargador, não se pode questionar serem as provas os meios regulares e admissíveis em lei para demonstrar a verdade ou falsidade de fato conhecido ou controverso ou para convencer da certeza de ato ou fato jurídico. O direito à prova deve ser entendido como um direito público subjetivo, constitucionalmente assegurado às partes e um dos pilares que sustenta o devido processo legal. Nesse sentido, a Constituição Federal consignou no inciso 55, do artigo 5º que diz que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Carlos Alberto França enfatizou ainda que, intimadas as partes a especificarem as provas que pretendiam produzir, a Saneago pugnou pela realização de instrução probatória no feito, com a designação de audiência de instrução e julgamento com o escopo de elucidação da real extensão do dano alegado, o que foi indeferido pelo condutor do feito em primeiro grau de jurisdição.

Alegações

A Saneago interpôs apelação cível sustentado a ausência de provas suficientes para embasar a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, por não restar evidente o alegado abalo sofrido pela parte de Paulo Henrique Andrade Cecílio. Alegou que os relatórios anexados aos autos por ocasião da contestação indicam que a água fornecida aos consumidores em Campinorte encontra-se dentro dos parâmetros de potabilidade previstos na Portaria 2914/2011 do Ministério da Saúde, não sendo, ademais, a alteração de sua cor de caráter permanente, mas proveniente de um momento específico causado pela despressurização do sistema por falta de energia.

A empresa argumentou ainda que das fotos colacionadas aos autos não se afigura possível inferir se a parte autora da ação, de fato, foi atingida pela mudança na coloração da água, pois são fotos genéricas retiradas de redes sociais e utilizadas em todos os processos da mesma natureza ajuizados pelos consumidores. Defendendo também a inexistência de ato ilícito e de nexo de causalidade entre o fato e os danos supostamente suportados pelo recorrido, pois não restou provado que este utilizou-se da água com coloração alterada.