Acompanhar as partes após o arquivamento do processo é uma rotina no Juizado Especial Criminal de Anápolis. Esta iniciativa acabou se tornando uma proposta de lei, que foi acolhida e denominada Estatuto da Primeira Infância, na nova redação dos artigos 6°, 184 e 304, do Novo Código de Processo Civil, que exige o conhecimento, por parte do magistrado responsável pelo processo, da existência de crianças e adolescentes indiretamente envolvidos no caso.

A praxe do juizado – que inclui outros públicos além da criança e do adolescente – se tornou lei depois que a inciativa do juiz Mateus Milhomem de Sousa foi enviada a várias autoridades. Neste documento, foi relatada, detalhadamente, a necessidade de acompanhar os casos em que crianças e adolescentes possam ser vítimas indiretas, como aqueles em que pais e parentes brigam, onde um parente próximo é usuário de drogas ou um estelionatário ou receptador está a cargo da formação educacional destas crianças e adolescentes, além daqueles onde um agressor sexual convive menores.

A experiência de mais de 20 anos como magistrado em dois estados e em dezenas de cidades e unidades jurisdicionais fez com que Milhomem percebesse a necessidade de acompanhamento das partes, mesmo após o encerramento do processo. Com isso, segundo ele, a reincidência em Anápolis – comarca onde ele atua agora – caiu, bem como a entrada de novos casos, inclusive nas varas comuns, onde são registrados crimes mais graves. “Nosso lema aqui no juizado é: o importante não é arquivar processos, mas arquivar problemas”, disse.

Apesar de satisfeito por ver sua iniciativa transformada em lei, Mateus Milhomem critica o fato de a proposta não ter sido acolhida integralmente pelos redatores da Lei 13.257, de 8 de março de 2016. De acordo com ele, a lei deveria também considerar a existência de pessoas idosas e deficientes em situação de risco e contemplou apenas os filhos de acusados de crimes, esquecendo-se dos filhos das vítimas. “Existem outras pessoas expostas e que merecem consideração da sociedade, como os filhos das vítimas, idosos e deficientes maiores de idade e que estejam sob a égide de pessoas supostamente em desequilíbrio”.

“Consideramos equivocado o garantismo hiperbólico monocular, ou seja, olhar apenas os direitos (e não os deveres), de uma forma desmesurada e apenas com foco no réu, esquecendo-se das outras pessoas afetadas. A vítima, sua dor e anseios, não são considerados, já que é uma realidade que afeta a todos”, criticou, ao lembrar que o crime deve ser analisado do ponto de vista do réu, das vítimas, da sociedade e do Estado.

Resultados
A iniciativa está em funcionamento no Juizado Especial de Anápolis há, pelo menos, três anos, e já mostra resultados. “Os resultados alcançados são muito grandes, pois a diferença na sociedade pode ser percebida, e a equipe torna-se a cada dia mais motivada, obtendo prazer consciencial do trabalho bem-feito. Os problemas graves que trazem as pessoas ao nosso Juizado Criminal tornam-se verdadeiras bênçãos para os próprios e suas famílias. Uma oportunidade para ficarem livres de problemas até então invisíveis e insolúveis”, apontou o juiz.

Ainda segundo Mateus Milhomem (foto à direita), pessoas atendidas no projeto vão ao juizado em busca de soluções para seus problemas. “São pessoas que vem aqui pedindo um encaminhamento ou uma ajuda, somos uma alternativa para ajudá-las com seus problemas. Não é fácil, porém, dentro das nossas possibilidades atendemos todos”, informou.

Metodologia
De acordo como magistrado, o Juizado Criminal de Anápolis trabalha com a concepção de Justiça Restaurativa, ou seja, é uma proposta que atende melhor aos anseios da sociedade do Século 21. Entretanto, ele frisou que a iniciativa muda totalmente a filosofia e a rotina de um juizado criminal tradicional. “O trabalho é aumentado sobremaneira, pois o foco não é apenas o arquivamento na audiência, isto torna-se apenas uma fase. O foco é o arquivamento do problema, que é muito mais difícil de fazer e demanda treinamento e motivação da equipe, além da criação de uma rede de apoio utilizando entidades públicas e privadas”, observou.

O juiz estima que o trabalho aumenta em até cinco vezes quando utiliza-se a justiça restaurativa, uma vez que é criado novas rotinas e estratégias diariamente, o que demanda intenso planejamento e raciocínio. E, para isso, foi criado um questionário padrão para visitas no Juizado Especial Criminal de Anápolis.

Para o magistrado, a iniciativa aborda várias frentes, de acordo com a realidade que é encontrada nas audiências, inclusive a de prevenção. “Fazemos encaminhamento para tratamento em centros assistencial, ao Ministério Público para internação compulsória; comunicação ao Bolsa Família para suspensão dos pagamentos em caso de irregularidades a serem investigadas; comunicação às Fazendas Públicas, quando há necessidade de inventário que não foi feito e é fonte de problemas entre irmãos; pedido de visita do Conselho de Idoso, quando há suspeita de que pode estar havendo maus tratos; encaminhamento à assistência judiciária/escritórios para solução de questões cíveis que surgem na audiência. Além disso, encaminhamos também questões de família, alimentos, separação, divórcio e até mesmo usucapião”, citou. (Texto: Arianne Lopes – Centro de Comunicação Social do TJGO)