Após mais de 14 horas de julgamento, o Conselho de Sentença de Goiatuba, composto por sete jurados, desclassificou de homicídio doloso (quando existe a intenção de matar), para culposo (quando não há esse objetivo), o crime cometido por quatro policiais militares contra o cantor sertanejo José Bonifácio Sobrinho Júnior, conhecido como Boni Júnior. Com a desclassificação, a competência para o julgamento dos crimes passa a ser do magistrado singular, ou seja, neste caso, da juíza Ana Paula Tano, que presidiu a sessão. Ela determinou que os autos lhe sejam conclusos para prolatação da sentença e entendeu que os fatos merecem uma análise mais cuidadosa, uma vez que foram juntados aos autos vários laudos periciais. O júri começou na manhã de terça-feira (4) e terminou na madrugada desta quarta-feira (6). 

Réus no caso, os PMs Silmar Silva Gonçalves, André Luis Rocha, Edson Silva da Cruz e Aluísio Felipe dos Santos aguardam o resultado em liberdade. Além do crime de homicídio culposo, eles também respondem por fraude processual. O Conselho de Sentença reconheceu a materialidade e a autoria do homicídio e desclassificou para culposo o crime cometido por Silmar Silva, decorrente de ação imprudente do acusado ao efetuar o disparo, o que restou prejudicada a votação dos demais quesitos em relação ao réu. Dessa forma, a juíza Ana Paula Tano, ao aplicar o Código Penal (Teoria Monista) e considerando o contexto da ação delituosa, esclareceu que o crime praticado em coautoria ou participação deve ter uma solução idêntica para todos os acusados, de modo que a sentença somente poderia reconhecer ou o dolo ou a modalidade culposa em relação aos agentes. “Segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial não se permite reconhecer a culpa para um dos acusados e, ao mesmo tempo, condenar qualquer um dos outros na forma dolosa, quando o fato delituoso retratado na imputação abrange necessariamente os quatro acusados em idêntico elemento volitivo de mesmo crime”, elucidou. 

O Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) pleiteou a condenação conforme a pronúncia. Já a defesa de Silmar Silva e André Luiz Rocha requereu a absolvição alegando as excludentes de ilicitude (causa excepcional que retira o caráter antijurídico de uma conduta tipificada como criminosa) da legítima defesa e do estrito cumprimento do dever legal, bem como a de culpabilidade. Também sustentaram a tese do privilégio, sob o argumento de que os réus praticaram o delito em razão de relevante valor moral e ainda por violenta emoção após a injusta provocação da vítima.

Com relação a Edson Silva da Cruz e Aluísio Felipe, a alegação da defesa foi a de que não existem provas de que eles concorreram para a infração penal, sustentando, assim, a negativa de autoria do crime. Foram ouvidas 11 testemunhas (3 de acusação e 8 de defesa), além do depoimento dos 4 denunciados. Foram anexados aos autos os laudos periciais de local de interceptação policial e complementar, exame cadavérico e complementar, de reconstituição de local de arma de fogo, de vistoria veicular, e de reconstituição de local de morte violenta. Atuaram pela acusação o promotor Rodrigo Sé Patrício de Barros e o assistente Ronivan Peixoto de Morais e, pela defesa, os advogados Islon Roberto da Silva, Clodomir Ferreira Pimentel, João Batista de Oliveira e Antônio Carlos de Oliveira, além da servidora da Diretoria de Correição e Serviço de Apoio da Corregedoria Geral da Justiça de Goiás (CGJGO), Márcia Cordeiro das Neves, que esteve em auxílio ao Tribunal do Júri na comarca.

Denúncia

O crime aconteceu na madrugada de 28 de outubro de 2012, nas proximidades do Motel Emoções, localizado na altura do quilômetro 16 da GO-515, entre Panamá e Goiatuba, na Região Sul de Goiás. Segundo a denúncia formulada pelo MPGO, Silmar e André Luis, na companhia do policial Cléber Gomes de Oliveira, realizavam uma barreria policial na rodovia mencionada, ocasião em que a viatura utilizada por eles para interditar a pista foi atingida pelo carro de José Bonifácio, que trafegava no sentido Panamá–Goiatuba. De acordo com o MPGO, por estar em alta velocidade, o cantor não viu a viatura policial estacionada no local e o impacto do choque entre os dois veículos fez com que Cléber Gomes fosse arremessado por vários metros de distância, causando-lhe graves ferimentos.

Na sequência, enquanto um dos denunciados (Silmar Silva e André Luis) dava assistência ao policial ferido o outro teria ido verificar o estado da vítima. Ao constatar que ela, mesmo agonizando e muito ferida, estava viva, conforme relata a denúncia, um dos dois sacou a arma que portava e efetuou um disparo à média distância (50 centímetros a 5 metros) sem que José Bonifácio tivesse condição de se esquivar do tiro, que atingiu a região próxima ao seu olho esquerdo, matando-o instantaneamente. Instantes após a execução, Edson Silva e Aluízio Felipe, que estavam perseguindo o veículo do cantor sertanejo, chegaram ao local e se depararam com o desespero dos colegas para salvar o policial machucado e encontrar uma forma de não serem responsabilizados pelo homicídio praticado.

Em comum acordo, segundo narra o órgão ministerial, os quatro resolveram ardilosamente inovar a cena do crime, utilizando outra arma de fogo que estaria em poder de Edson Silva e Aluísio Felipe no intuito de simular uma suposta agressão a tiros por parte da vítima. Então, foi disparado um tiro contra cada um dos vidros frontais das duas viaturas que estavam na localidade, além de a arma ter sido colocada no interior do veículo da vítima para que parecesse uma suposta conduta de legítima defesa, fato que justificaria tanto a perseguição quanto ao tiro efetuado contra José Bonifácio. Dessa maneira, o juiz criminal seria induzido a erro, de modo a favorecê-los em eventual processo que viessem a sofrer. (Texto: Myrelle Motta/Foto: Wagner Soares – Centro de Comunicação Social do TJGO)