São 14 mulheres, a maioria cumprindo pena por tráfico de drogas, no Presídio Regional de Iporá. Do lado de fora das grades, cumprem a condenação, também, 14 famílias, que sofrem, não com a privação de suas liberdades, mas com o afastamento da figura materna. Para atenuar o abalo psicológico que a prisão de um ente querido pode provocar no núcleo familiar, a comarca lançou, nesta quinta-feira (7), o projeto Amparando Filhos, em solenidade no auditório do fórum local.

Iniciada em 2015 em Serranópolis e, depois, implantada em Jataí, a iniciativa é inédita no País e aborda dois pontos: promover encontros humanizados entre mães e filhos, longe do ambiente carcerário, em espaço lúdico, e sem os constrangimentos trazidos com as revistas e procedimentos de segurança, e fazer o acompanhamento dessas famílias, com abordagens multidisciplinares, com psicólogos e assistentes sociais. Nesta sexta-feira (8), é a vez de Israelândia também implantar o projeto. No cronograma, estão previstas ainda as adesões das cidades de São Luís de Montes Belos e Anápolis, que receberão o projeto ainda neste ano.

Durante solenidade de abertura em Iporá, o desembargador Luiz Eduardo de Sousa (foto à direita), ouvidor do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) e presidente do Núcleo de Responsabilidade Social e Ambiental do TJGO, destacou a repercussão positiva que o projeto traz. “Há, uma média, de três filhos por mulher entre as que cumprem pena, segundo levantamento interno. Com base nessa estatística, podemos fazer os questionamentos ‘quem são essas crianças?, com quem estão?, qual será o futuro delas?’. Com a iniciativa, preenchemos uma lacuna social, fazendo com que essas crianças e adolescentes possam ter um futuro diferente dos seus pais”.

Idealizador e coordenador-executivo do Amparando Filhos, o juiz titular de Serranópolis, Fernando Augusto Chacha de Rezende, ressaltou que o Brasil tem a quinta maior população carcerária do mundo e que 68% das prisões femininas ocorre por envolvimento com o narcotráfico, conforme dados do Ministério da Justiça. “As mulheres, em sua maior parte, são coadjuvantes no crime; traficam drogas para maridos que, quase sempre, já estão presos. Os problemas de infrações entre menores vem, muitas vezes, das famílias desestruturadas. Segundo pesquisa realizada nos Estados Unidos da América, essas crianças têm 500 vezes mais chance de repetir os passos dos pais”.

Ainda conforme o magistrado (foto à esquerda), em Goiás há 713 mulheres presas, das quais 513 são mães, público-alvo do projeto. “A ideia é inédita, mas não deveria ser. O máximo que existia são creches dentro de presídios, nas quais as crianças recém-nascidas ficam aprisionadas junto às mães. É preciso ir além, plantar sementes e colher frutos a médio e longo prazo, com o acolhimento desses menores e resgatar o sentimento materno, muitas vezes disperso”, observou Chacha.

Entrevistas
Responsável pela 1ª Vara Cível e Criminal da comarca, o juiz Samuel João Martins (foto abaixo e à direita) trata, entre outros assuntos, de execução penal e da infância e juventude e será o coordenador local do projeto. De acordo com o magistrado, já iniciaram-se as entrevistas com as presas para fazer um levantamento dos perfis. A segunda fase deve iniciar em breve e abrange visitas às casas das famílias e conversas com os guardiões dos filhos, para identificar suas necessidades econômicas e os pontos de atuação, de forma a criar uma rede de proteção aos menores.

O projeto inclui verificação de presença regular das crianças e adolescentes em escolas e se há necessidade de amparo econômico, com doações de cestas básicas e mantimentos, por exemplo, com participação de parceiros da iniciativa privada.
“As mães são figuras extremamente importantes no núcleo familiar, por isso, o projeto começa, inicialmente, com o público feminino, mas, depois, pretendemos estender aos homens presos”, conta o magistrado.

Como titular da Vara que trata da Infância e Juventude, Samuel Martins explicou que a maioria dos autos que chegam ao seu gabinete envolvem uma realidade parecida: famílias desestruturadas, sem condições de subsistência, que levam menores a cometer, muitas vezes, crimes antes praticados pelos pais.

“O fato de mãe ser presa mexe muito com o psicológico de crianças e adolescentes e, ainda, contribui, infelizmente, para que eles sejam infratores. O Amparando Filhos visa romper esse ciclo de abandono social e acolher a essas famílias”.

Função social
Diretor do Foro de Israelândia, o juiz Marcos Boechat Lopes Filho evidenciou a função social do projeto: além de promover um apoio material e acolhimento afetivo dos menores, o Amparando Filhos é uma medida também preventiva de segurança pública. “Muitas crianças e adolescentes, filhos de pais presos, vivem em situações irregulares ou mesmo de abandono total. Isso provoca uma sensação de vulnerabilidade e de discriminação, que os torna suscetíveis ao uso precoce de álcool e drogas e, assim, os leva à criminalidade”.

Pioneiro no País, o Amparando Filhos foi bastante elogiado por Marcos Boechat, que vê com entusiasmo o lançamento da iniciativa na comarca em que atua. “A intenção é ajudar diretamente os filhos dos presos e, indiretamente, a sociedade. Nós, juízes, como representantes do Poder Judiciário, queremos trazer isso para nossa responsabilidade, chamar atenção da sociedade e, assim, resgatar a cidadania desses jovens”.

Solenidade
Participaram da mesa diretiva o desembargador-ouvidor do TJGO, Luiz Eduardo de Sousa, o diretor do Foro de Iporá, juiz João Geraldo Machado, o juiz de Serranópolis, Fernando Augusto Chacha de Rezende, juiz da 1ª Vara de Iporá, Samuel João Martins, promotor de justiça Sérgio de Souza Costa, diretora de planejamento da Secretaria de Gestão Estratégica do TJGO, Eunice Machado, representante da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás, Cleiton Alves dos Santos, e, dos conselhos tutelares da região, Milton Barbosa e Maurícia Martins. (Texto: Lilian Cury/ Fotos: Aline Caetano – Centro de Comunicação Social do TJGO) 

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