A desestruturação do sistema prisional evidencia o descrédito da prevenção e da reabilitação do condenado. Entretanto, propostas criativas de alternativa à humanização e soluções realmente satisfatórias por meio de parcerias do Poder Judiciário, conselhos da comunidade e prefeituras com o Estado para o equilíbrio da crise que assola o sistema carcerário de Goiás já estão sendo colocadas em prática após a reunião realizada em 18 de março pelo Grupo de Monitoramento e Aperfeiçoamento do Sistema Carcerário do Estado de Goiás (GMF-GO), que tem como coordenador o desembargador Luiz Cláudio Veiga Braga. Uma das propostas apresentadas no encontro e que recebeu apoio integral de representantes da Segurança Pública de Goiás (SSP/GO) foi a conclusão da reforma do prédio que hoje abriga os reeducandos do semiaberto da comarca de Goianésia.

“É possível reverter o quadro do sistema penitenciário em Goiás, só dependemos de criatividade, boa vontade e interesse de todos, claramente demonstrados nessa reunião (foto) especialmente pelo empenho do vice-governador e secretário de Segurança Pública e Administração Penitenciária de Goiás, José Eliton Júnior. A reeducação e a ressocialização dos presos são necessárias devido a caracterização de uma sociedade livre, democrática e justa com todos os preceitos constitucionais, da dignidade e da igualdade entre cidadãos que compõem a sociedade”, salientou o coordenador do GMF, desembargador Luiz Cláudio Veiga Braga, ao analisar o desdobramento positivo da reunião.

Outro ponto abordado por Luiz Cláudio é a importância de se estabelecer parcerias para a consolidação de projetos de reinserção social e redução no número de reincidência. “Não adianta ficarmos no discurso da crítica, temos de buscar a solução do problema. Diante da insatisfatoriedade do sistema penitenciário atual, não se pode deixar de aprofundar esse tema na busca contínua por opções efetivas aos problemas carcerários de Goiás, que respeitem os direitos dos presos e, ao mesmo tempo, devolvam a credibilidade da população à Justiça. Existe a necessidade inerente de, sem abandonar o sistema prisional tradicional, buscar alternativas criativas capazes de romper com o paradigma cultural clássico de que o Poder Público se destina exclusivamente à construção de prédios prisionais. É possível implantar novos métodos de gestão capazes não só de ampliar e qualificar a rede prisional, como também oferecer ao preso a oportunidade de reinserção à sociedade”, constata.

Ao apontar a disposição do Poder Judiciário para contribuir com a resolução do problema carcerário no Estado, Luiz Cláudio (foto) voltou a acentuar o projeto remetido à Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego), aprovado pela Corte Especial do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), que trata do repasse de R$ 35 milhões do Fundo de Reaparelhamento e Modernização do Poder Judiciário (Fundesp) ao governo estadual, para a conclusão das obras de cinco unidades prisionais, duas destinadas ao Entorno do Distrito Federal (DF) e as outras para Anápolis, Jataí e Rio Verde. Segundo ele, o procedimento está sobrestado na Alego por causa de uma decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que definiu regras para a utilização dos recursos. De acordo com o desembargador, uma solução para a situação está sendo gestionada pelo TJGO. “Precisamos sair da situação de letargia e encontrar um caminho para solucionar as dificuldades que o sistema prisional goiano enfrenta. Necessitamos sair do discurso de que o sistema está falido e apontar rumos, com projetos e trabalhos”, afirmou.

Apoio fundamental

Para o juiz de Goianésia, Decildo Ferreira Lopes, que integra o grupo do GMF e acompanhou de perto a reforma do prédio local atuando em parceria com o Ministério Público, Conselho da Comunidade e Prefeitura para execução da obra, o apoio do Estado e um convênio firmado no sentido de melhorar a estrutura da unidade prisional dos reeducandos do regime semiaberto com a construção de muros que cerquem o local, é imprescindível. “O prédio, que abriga hoje de 60 a 70 presos, foi cedido pela prefeitura e trata-se de uma escola desativada, que não tem muros, nem iluminação externa, embora tenha passado por grande reforma em 2015. Por isso, contamos com o apoio e o suporte financeiro do Governo e da equipe da Secretaria de Segurança Pública que demonstrou empenho e receptividade durante a reunião do GMF para ajudar a solucionar os problemas do sistema carcerário de Goianésia, especialmente em relação a questão dos detentos do semiaberto. O caminho foi aberto graças a essa iniciativa do GMF e nossa expectativa é a melhor possível”, ressaltou.

Decildo explicou que no ano passado com recursos advindos das penas pecuniárias, da prefeitura e de empresas privadas que realizaram várias doações, a escola passou por ampla reforma com a utilização da mão de obra dos próprios presos, cuja duração foi de seis meses, com custo de aproximadamente R$ 70 mil. A seu ver, o trabalho, que incluiu desde a reforma de toda a parte elétrica e de pintura até a construção de salas de revista, acomodações para agentes prisionais e confecção de beliches, só foi possível devido ao esforço conjunto do Poder Judiciário, MP, conselho da comunidade e prefeitura, que tem a preocupação cotidiana de melhorar a estrutura do sistema prisional local e diminuir o sentimento de impunidade na sociedade.

“Muitos juízes já tiveram essa iniciativa como representantes do Poder Judiciário em suas comarcas, o que hoje rende bons frutos. No entanto, o importante é que os magistrados agora poderão contar com o suporte do Estado, já que o secretário de Segurança Pública e Administração Penitenciária de Goiás, José Eliton Júnior, deixou clara, no encontro do GMF, a intenção de participar ativamente nesse processo. Assim, abrimos oportunidades para outros colegas que tenham esses interesses em comum. O magistrado que atua na execução penal e, por derivação natural, o próprio Poder Judiciário possuem papel fundamental na disseminação de culturas e práticas que resgatem o respeito aos direitos humanos de presos”, observou.

Na opinião de Decildo, a verdadeira ressocialização só pode acontecer se houver uma estrutura adequada para receber os presos com dignidade, que, segundo entende, devem trabalhar dentro da unidade específica, onde estarão sob vigilância e com menor risco de reincidência. Ele lembrou que o ideal é que o regime semiaberto seja cumprido em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, conforme estabelece o artigo 91 da Lei de Execução Penal – Lei nº 7.210/84 (LEP), e enfatizou que já existe um projeto nesse sentido. “Pretendemos construir fora da cidade a escola agrícola destinada aos presos do regime aberto. A intenção é transformar a unidade em um complexo que englobe a carceragem com espaço adequado para os presos, além de oferecer oficinas de trabalho e educação formal e profissionalizante, que nos permita devolver um cidadão efetivamente recuperado para a sociedade. Acredito que com a colaboração do Estado a viabilização desse projeto será mais rápida”, ponderou.

Parcerias produtivas

O presidente do Conselho da Comunidade de Goianésia, advogado Nelson Cardoso do Couto, também vê com bons olhos a colaboração e participação do Estado na estruturação do sistema carcerário da comarca. Ele destacou que as parcerias com o Judiciário, MP e prefeitura tem sido produtivas e duradouras. “Quanto mais apoio obtivermos, melhores serão os resultados. O Estado tem um papel essencial nesse aspecto e poder contar com mais um colaborador de tamanho peso contribuirá para tornar mais ágil a solução das dificuldades enfrentadas em Goianésia no que diz respeito ao sistema prisional”, asseverou. Entre os pontos positivos alcançados com a reforma do prédio que abriga os presos apontados por Nelson do Couto estão a instalação de 32 câmeras de vigilância, construção de 14 cabines individuais para visitas íntimas, reforma da ala feminina e do teto, de forma a evitar fungos, mofo e proliferação de doenças, e a construção de treliches de cimento, que garantem maior conforto e integridade aos presos. “O esforço e empenho de todos os parceiros envolvidos foi fundamental para o êxito dessa ação. Entregamos tudo quitado e cada passo foi dado de forma muito transparente”, pontuou.

Ao avaliar o quanto o deslocamento dos presos do regime semiaberto para um local próprio, desvinculando-os, assim, daqueles que estão em cumprimento do fechado, contribuiu para a segurança pública, o delegado regional Marco Antônio Maia evidenciou que a entrada de drogas dentro do presídio diminuiu consideravelmente. “A readequação dos presos do semiaberto trouxe uma segurança maior para todos, inclusive dentro da própria unidade prisional. Acredito que a ajuda do Estado, já sinalizada, para que tudo seja colocado na mais perfeita ordem no que se refere aos problemas enfrentados no âmbito carcerário seja, sem dúvida, muito bem-vinda”, realçou.
De acordo com o promotor de Goianésia, Luciano Miranda Meireles, somente no regime fechado a comarca tem atualmente 250 presos e é a 4ª maior massa carcerária do Estado. “O Estado deve assumir a responsabilidade que lhe é inerente acerca dos impasses e gargalos do sistema prisional, especialmente em termos estruturais e de contratação de agentes penitenciários. Não é nenhuma novidade que o sistema prisional está em crise e que o nível de reincidência é bastante elevado. A par dessa realidade, está a prestação de serviços públicos fortemente atingida no que tange à qualidade do serviço carcerário. Esperamos que agora, após a reunião do GMF, possamos contar com a participação efetiva do Governo e da SSP”, declarou.

São integrantes do GMF como representantes do Poder Judiciário, além do desembargador Luiz Cláudio, os juízes Telma Aparecida Alves, da 1ª Vara de Execução Penal de Goiânia; Maria Umbelina Zorzetti, da 12ª Vara Criminal de Goiânia; Maria Socorro de Sousa Afonso da Silva, auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás (CGJGO); Decildo Ferreira Lopes, da Vara Criminal de Goianésia; Gustavo Dalul Faria, da 5ª Vara Criminal de Goiânia, e Vaneska da Silva Baruki, da Vara Criminal de Caldas Novas. Também compõem o grupo o superintendente de Administração Penitenciária da SSP/GO, coronel Victor Dragalzew, e o superintendente de Segurança Penitenciária da SSP/GO, João Carvalho Coutinho Júnior, Roberto Célio da Silva, presidente do Conselho da Comunidade de Goiânia, José Geraldo Veloso Magalhães, tesoureiro do Conselho da Comunidade na Execução Penal de Aparecida de Goiânia, promotor Vinícius Marçal Vieira, representante do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), e Edemundo Dias de Oliveira Filho, representante da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Goiás (OAB-GO). (Texto: Myrelle Motta/Fotos: Istokphotos e Hernany César - Centro de Comunicação Social do TJGO)