Enquanto a população carcerária cresce a cada ano, aumenta também o déficit de vagas nos presídios brasileiros. A realidade do País, demonstrada por dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), se repete em Goiás. No entanto, algumas comarcas, como as de Goianésia e São Miguel do Araguaia, estão trabalhando – apesar desta atribuição não ser do Poder Judiciário – para amenizar o problema. Parcerias com escolas e empresas têm oferecido uma chance real de recuperação a uma população carcerária bem jovem nessas comarcas. A dignidade dessas pessoas vai sendo reconquistada com atividades como plantio de grãos, hortaliças e legumes, criação de animais, educação e uma rotina saudável de trabalho.

Em 2015, havia cerca de 622.202 pessoas privadas de liberdade no Brasil, número que, em 2014, era 581.507. Isso significa que a população carcerária passou a ter 40.695 detentos a mais, um aumento de 7% em um ano. O Brasil tem a quarta maior população penitenciária do mundo, atrás dos Estados Unidos, China e Rússia. Ainda de acordo com o levantamento, o Brasil tem déficit de 250.318 vagas.

Diante deste cenário, ao assumir a Presidência do Superior Tribunal Federal (STF), a ministra Cármen Lúcia disse que tratará o assunto com uma atenção especial. Segundo ela, será feita uma inspeção nos presídios de todo País. No último dia 21, Carmem Lúcia, que também é presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), visitou a unidade prisional do Rio Grande no Norte. “Vou às penitenciárias de todos os Estados para ver as condições dos presos, dos servidores, a condição de trabalho do juiz que é responsável pelo sistema, do diretor", afirmou a ministra durante a visita para o site do CNJ.

A frente do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Estado de Goiás (GMF-GO), o desembargador Luiz Cláudio Veiga Braga (foto à esquerda), destacou que o Judiciário goiano vem contribuindo para a solução do problema, embora, não seja sua atribuição. “O que acontece é que de uma forma criativa e de boa vontade, os juízes colaboram para que a questão seja amenizada. Porém, não cabe ao Judiciário resolver a superpopulação carcerária. O que fazemos e podemos continuar fazendo é paliativo”, reiterou.

Assim, conforme salientou o desembargador, magistrados goianos dão sua parcela de contribuição no sentido de traçar mecanismos para se evitar a reincidência criminal. “O Judiciário se porta no sentido de dar uma certa estrutura e mais dignidade aos presos a fim de fazer com que não haja reincidência. É preciso uma reflexão, ou seja, uma conscientização do autor do fato criminoso. Não basta somente puni-lo ou jogá-lo em uma prisão”.

Para o juiz criminal de Goianésia, Decildo Ferreria Lopes (foto à direita), apesar de não caber ao Judiciário, por exemplo, a construção, reforma ou ampliação de presídios, o magistrado lembra que o contato diário com os problemas do sistema carcerário tem levado muitos juízes ao desenvolvimento de projetos que propiciem algum tipo de melhoria no processo de execução penal.

Que o sistema prisional é cheio de desafios não há dúvida, e eles são vividos diariamente pelos juízes de Goiás. Apesar de a reportagem ter sido focada apenas em duas comarcas, são raras aquelas em que não há algum tipo de projeto em desenvolvimento. Só para citar um exemplo, em Goiânia há o Programa Justiça Terapêutica, desenvolvido pela juíza Maria Umbelina Zorzetti, e em Águas Lindas, a juíza Cláudia Silvia de Andrade Freitas criou um programa de leituras para presos. Em Rubiataba, a juíza Roberta Wolpp Gonçalves se viu na obrigação de reconstruir um novo presídio depois de sua destruição numa rebelião ocorrida em junho de 2015. Para isso, a juíza recorreu ao fundo de reserva do Conselho da Comunidade de Rubiataba, que contava com apenas R$ 150 mil, enquanto o orçamento do prédio ficaria em R$ 300 mil. Mesmo com o valor disponível abaixo do esperado, Roberta Wolpp deu início às obras em novembro de 2015. A mão de obra empregada foi dos próprios reeducandos. As prefeituras de Rubiataba, Nova América e Morro Agudo, que pertencem a comarca, também apoiaram os trabalhos.

A população carcerária goiana é composta fundamentalmente por jovens, que, em razão das más condições nos presídios, podem ter seu futuro comprometido. Entre os 270 presos de Goianésia, está Walteme de Almeida Júnior (foto à esquerda), de 30 anos. Na cadeia desde agosto de 2014, tem somente 15 dias que ele trabalha dentro do presídio devido a uma parceria recém-firmada com a Hering para a reinserção de presos em regime fechado. Waltene e mais 15 presos fazem o manuseio e etiquetagem de peças de roupas fabricadas pela empresa. “É uma conquista para mim. Essa vida me fez perder tudo, até meus filhos, que há quase dois anos não vejo”, contou. Ele disse que a “vida louca” que as drogas lhe proporcionaram não o levou a lugar algum. Cumprir sua pena, trabalhar e reconstruir sua história são seus planos. “Ficar preso e não fazer nada é péssimo. Mente vazia é oficina do diabo”, falou repetidas vezes o dito popular.

Foi dentro da cadeia que a oportunidade também apareceu para Weslei de Camargo (foto à direita), de 39 anos. Ele chegou no local sem saber ler e escrever e foi devido a um projeto de educação desenvolvido dentro do presídio, em parceria com a Escola Estadual Presidente Kenedy, hoje é alfabetizado.

Assim como Weslei, outros 40 reeducandos são beneficiados com este projeto e estão matriculados na modalidade de Ensino de Jovens e Adultos (EJA). As aulas são ministradas em uma sala dentro do presídio de Goianésia. “A educação transformou a minha vida e o meu maior sonho é terminar meus estudos para ser engenheiro civil”, afirmou Weslei, ao falar que sua disciplina preferida é matemática. Pai de dois filhos, ele acredita que é só por meio dos estudos que conseguirá resgatar a dignidade perante os filhos e a sociedade. Weslei conseguiu, no início do mês, o primeiro lugar na primeira etapa do concurso de redação promovido pelo Jornal Tribuna Goiana em nível regional.

Fazenda Esperança

Além na área de educação e trabalho, em parceria com o Poder Judiciário, a direção do presídio de Goianésia desenvolve o Programa Fazenda Esperança, promovido numa chácara, onde são realizadas atividades nas áreas de agricultura, horticultura, criação de suínos e galinhas, há ainda o plantio de grãos, hortaliças, verduras e legumes. Embora não seja um projeto inédito no Estado, o diretor da 7ª Regional Norte, Genair da Abadia Souza Vieira, afirma que o diferencial do projeto é o emprego mão de obra de presos do regime fechado. Segundo ele, trata-se de espaço rural distante cinco quilômetros do centro urbano. 

Há um ano no projeto, Ueliton Barbosa de Almeida (foto à direita), de 30 anos, afirma que foi na cadeia que encontrou a solução para a sua vida. Ele foi preso por envolvimento com drogas e alguns crimes que praticou para sustentar o vício. “A mudança é possível, basta querer. Hoje eu trabalho fora da unidade, eu consigo entrar na comunidade, recebo por esse trabalho e ainda tenho a pena reduzida: a cada três dias trabalhados, tenho um dia reduzido na pena. Lá no cárcere o tempo não passa, mas aqui fora, voa”, lembrou. O detento deve conseguir a liberdade somente em 2017.

Coordenador do projeto e responsável por acompanhar os reeducandos durante todo o dia, Adriel Jesus (foto à esquerda) disse que pelo programa já passaram 30 presos desde seu lançamento, em 2010. Segundo ele, os requisitos para ser beneficiado com o projeto são, além do bom comportamento, o interesse pelo trabalho e a habilidade requerida. Ainda de acordo com ele, os produtos do local são comercializados e a renda é convertida para pequenas despesas do presídio, como reformas. Os presos chegam a fazenda às 7 horas e retornam para a Unidade Prisional às 17 horas. Essa rotina se repete todos os dias.

Crime e leitura 

Pai de oito filhos, Helder Dias da Fonseca (foto à direita), de 48 anos, foi condenado por tráfico. E foi pela falta de liberdade, que ele entrou no universo dos livros. De 2104 até agora, foram 180 obras lidas por ele, que encontrou na leitura um novo modo de ver o tempo passar. Viver uma nova história, assim como tantas que ele lê, é um dos sonhos de Helder. O Alquimista, de Paulo Coelho, está entre os seus preferidos. A obra relaciona em alguns momentos situações que vive no presídio. “É a história de um jovem pastor que decidiu viajar para outro País. Ele corre atrás de um sonho. E, às vezes, é o que mais queremos aqui”, contou.

Com muitas histórias para contar, Helder já trabalhou em garimpo, foi servente, pedreiro e também já passou por presídios do Pará e de Goiânia. “Eu já fui preso antes e aqui é um dos melhores lugares em que já estive. Eu tenho consciência de que ir para um outro lugar será pior. A droga te leva a fazer coisas que nunca imaginou. Com a droga você não pensa em nada, nem nos filhos”, relatou. O condenado disse que quando sair da prisão, já que a previsão é a de que no fim do ano ele obtenha a progressão de regime, quer dar orgulho para mãe, que mora em outro Estado e vai visitá-lo uma vez por ano.

“Também quero reconquistar as coisas que perdi. Se eu pudesse falar para alguém que está entrando nessa vida, eu diria para sair. Não se envolva com aquelas que levem para o mal caminho”, aconselhou. “Ande sozinho ou com pessoas melhores que você”, acrescentou. Solidão foi o que ele sentiu desde que foi preso. “Minha casa vivia cheia, todo mundo me procurava e me conhecia. No dia em que fui preso o povo sumiu. Ninguém nunca veio me visitar na cadeia”, desabafou.

Considerado um preso de bom comportamento, Jeferson Gonçalves da Silva Cardoso, de 27 anos, está há 9 anos na cadeia. No início, ele participou de rebeliões e fuga. Porém, agora garante que mudou. Ele, que depende do bom comportamento para sair do local, arrumou uma profissão na cadeia. Com a ajuda de programas e união de esforços, o reeducando concluiu um curso profissionalizante de pintura e até ajudou a pintar as paredes do presídio. Sem filhos, ele garante que o futuro será longe do mundo do crime. Ele conta que a única pessoa que tem é a avó, que está com 71 anos e precisa dele para cuidar dela. “Fui criado por ela, não tenho notícias da minha mãe e meu pai me abandonou. Ela está doente e assim que sair vou ajudá-la”, contou.

Ordem, Disciplina e Respeito

Em São Miguel do Araguaia, o diretor da unidade prisional, Vivaldo José Ferreira Neto, adotou o lema Ordem, Disciplina e Respeito. Com isso, segundo ele, foram implementados projetos dentro da unidade e, desde então, não foram registradas mais fugas. “Os reeducandos cumprem com as ocupações diárias dentro do presídio. Assim, há disciplina total e nunca houve fuga ou rebelião. Além disso, também não há registros de nenhum transtorno no bom andamento na rotina da prisão”, salientou Vivaldo. No entanto, ele destacou que os bons resultados são possíveis devido ao apoio e à parceria do Poder Judiciário. “Só assim podemos propor harmonia na ressocialização dos reeducandos ao retorno da sociedade. Com a criação de projetos para profissionalização do reeducando, para que ele possa retornar à sociedade e trabalhar em um serviço digno e honesto”, frisou.

Marcos Roberto da Rocha e Silva, diretor da Unidade Prisional de Goianésia, também destaca a iniciativa do Poder Judiciário em estar, na maior parte das vezes, com eles. “Graças aos parceiros, a unidade de Goianésia vem conseguindo se destacar no que tange às oportunidades de ressocialização. Acreditamos que um dia o Sistema Prisional será visto com outros olhos pelos nossos governantes maiores, mas até que esse dia chegue, continuaremos sendo pequenos desbravadores, que buscam fazer a diferença e deixar um pequeno legado para os próximos guerreiros que entrarem nessa árdua, mas gratificante missão, que é ser um agente prisional”, enfatizou.

Desafios do Estado
Em reunião com os parceiros e representantes da Unidade Prisional de Goianésia, o juiz criminal local, Decildo Ferreria Lopes, lembrou da escassez de recursos e da luta para vencer as inúmeras e incessantes dificuldades do sistema prisional brasileiro. De acordo com ele, a unidade prisional de Goianésia já foi considerada uma das melhores unidades do Estado, mas, hoje a situação não é a mesma. “A população carcerária cresceu em número significativo, ao passo que os investimentos do Estado se mantiveram muito aquém do mínimo necessário. E, se em outras épocas conseguíamos suprir essa necessidade com recursos locais (Município e Conselho da Comunidade, por exemplo), atualmente vivemos a frustração de conhecer o caminho das melhorias, mas não conseguir executar as ações necessárias”, salientou.

No entanto, apesar dessas dificuldades, a unidade ainda se mantém com regular funcionamento e ostenta um ambiente saudável. “Isso se deve ao modelo de atuação já adotado há algum tempo e à priorização de investimentos em ações que busquem fornecer opções e oportunidades para a mudança da pessoa. Destaco o apoio da Pastoral Carcerária, da Pastoral da Sobriedade, das igrejas evangélicas, do Conselho da Comunidade, da Prefeitura de Goianésia, Faculdade Evangélica de Goianésia e das casas de recuperação para tratamento de dependência de drogas. Necessário também reconhecer o apoio e a participação direta da Direção da Unidade Prisional e dos agentes prisionais, sem os quais a execução dessas ações não seria possível”, pontuou.

Estado

De acordo com o superintendente executivo de Administração Penitenciária em Goiás, coronel Victor Dragalzew, atualmente o Estado possuiu 180 unidades prisionais. Porém, ele observou que os maiores desafios da Superintendência de Administração Penitenciária (Seap) são realizar o implemento de abertura de 1.200 vagas com 4 presídios estaduais que estão sendo construídos em Anápolis, Novo Gama, Formosa e Águas Lindas, reduzindo assim o déficit carcerário, e o incremento de efetivo com o concurso público de Agente de Segurança Prisional em andamento. (Texto: Arianne Lopes/Fotos: Aline Caetano – Centro de Comunicação Social do TJGO)

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