Uma das grandes prioridades do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para este ano, a implementação da Meta 8, que estabelece a adoção de práticas relativas ao Projeto Justiça Restaurativa (técnica de solução de conflitos que prima pela criatividade e sensibilidade na escuta das vítimas e dos ofensores) em pelo menos uma unidade judiciária, já está sendo cumprida integralmente pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO). Esse alvo específico foi alcançado pelo TJGO nas últimas semanas por meio de uma técnica inovadora denominada círculos restaurativos (ferramenta alternativa que faz parte do projeto), promovida com crianças e adolescentes nas comarcas de Goiânia e Anápolis, sob a supervisão dos Juizados da Infância e da Juventude. 

 

Para que os métodos referentes ao Justiça Restaurativa tivessem o resultado positivo almejado em Goiás, bem como fosse dado cumprimento integral à meta, as equipes Interdisciplinar Forense da Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás (CGJGO) e do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec), que são multiplicadores das metodologias no interior, passaram por cursos de capacitação ministrados por especialistas de Brasília e do Rio Grande do Sul ligados ao projeto, conforme explica o juiz Romério do Carmo Cordeiro (foto à direita), auxiliar da Presidência do TJGO e coordenador-geral da Justiça Restaurativa no Estado.

“O TJGO sai na frente mais uma vez ao cumprir uma meta tão importante do CNJ e sempre opta por práticas que auxiliem na solução alternativa e sensível dos conflitos. Nesse sentido, por exemplo, tivemos três vertentes nos cursos de capacitação: a conciliação nos juizados criminais, a mediação entre vítima e agressor e os círculos restaurativos com foco na infância e na juventude. Sem dúvida, estamos avançando de forma contínua”, frisou o magistrado.

Com a finalidade de buscar a melhor forma de resolver de maneira efetiva os conflitos em áreas diversas e garantir, assim, a paz social, Romério Cordeiro adiantou que existe uma previsão para o próximo mês de que seja implantada a Justiça Restaurativa em Luziânia, no que tange aos casos de violência doméstica contra a mulher. Trata-se de uma mediação entre a vítima e o agressor, mas com foco na mulher que sofre as agressões para tentar resgatar sua autoconfiança e autoestima e compreender o que está por trás de cada história de violência. “Não adianta pensarmos somente na punição do agressor dentro do âmbito processual. É preciso reconhecer que o crime causou danos emocionais e psicológicos, visualizar a vítima e ter uma compreensão ampla do contexto em que tudo aconteceu”, avaliou.

Para a juíza Maria Socorro Sousa Afonso da Silva (foto à esquerda), 1ª auxiliar da CGJGO e coordenadora do Juizado da Infância e da Juventude na capital, que acompanhou a introdução do círculo restaurativo no juizado de Goiânia, a Justiça Restaurativa restabelece valores internos e morais, desenvolve a reflexão e a empatia e pode ser considerada como um “diálogo do amor”. “A Justiça Restaurativa é uma forma de aprendizado para se colocar no lugar do outro, e reavaliar princípios como respeito e consideração pelo próximo perdidos por motivos diversos com a vida, muitas vezes dura e sofrida, para algumas pessoas”, destacou.

Restabelecendo vínculos afetivos reais


Segundo o juiz Carlos José Limongi Sterse (foto à direita), diretor do Foro de Anápolis e coordenador do Juizado da Infância e da Juventude no interior, a escolha para implementar o círculo restaurativo no Instituto Cristão Evangélico de Goiás, que abriga hoje 30 crianças e adolescentes, se deve justamente a preocupação para que a técnica fosse exercida com a real possibilidade de criar vínculos entre os envolvidos e fortalecê-los, além de delimitar os papéis. “O círculo restaurativo funciona como uma espécie de dinâmica em grupo, ou seja, as pessoas se sentam em círculos e cada pessoa tem uma oportunidade de reflexão, tomada de consciência e atitude. É um instrumento muito eficaz de pacificação social, resolução efetiva e não violenta dos conflitos, mediado por técnicos preparados, harmonizando, assim, o convívio e restaurando as relações abaladas, e, por fim, a estimulação da cultura do diálogo e da paz”, acentuou.

Na visão do magistrado, esse modelo surge como contraposição à concepção tradicional da justiça criminal, uma vez que trabalha com a ideia de restauração. “Essa visão propõe um novo paradigma na definição dos objetivos da justiça. Nessa perspectiva, o papel da justiça deve ser o de reparar os danos causados não somente à vítima, mas também à sociedade, ao ofensor e às relações interpessoais”, ponderou.

De acordo com a pedagoga Lívia Regina Ferreira Silva Lima, do Juizado da Infância e Juventude de Goiânia, que participou do círculo restaurativo na capital com adolescentes que estão cumprindo prisão domiciliar por terem cometido ato infracional e se encantou com a prática, a Justiça restaurativa se propõe verdadeiramente a resgatar valores, trabalha com vivências que provocam mudanças comportamentais e por isso é válida mais variadas situações. “Conseguimos atingir objetivos variados utilizando uma metodologia inovadora, onde os participantes são protagonistas, podem ser ouvidos, valorizados, num espaço de diálogo e de escuta ativa, sem julgamentos, contudo, pautado em princípios éticos fortes e capazes de mudar vidas”, enalteceu.

A seu ver, o encontro com os menores teve o objetivo de trabalhar resiliência, capacidade de superação diante das dificuldades e usar técnicas da justiça restaurativa, com o envolvimento gradativo de todos, vontade de participar e de falar de seus sentimentos, esperanças e expectativas para o próprio futuro. “Ao final, eles avaliaram o momento e se mostraram muito satisfeitos, pediram para continuar participando dos encontros e se demostraram disposição para uma mudança de conduta. Sentimos que nossa intenção foi atingida e esperamos continuar trabalhando com a Justiça Restaurativa e contribuindo com mudanças de vida daqueles que precisam”, ressaltou.

Na visão da pedagoga Cíntia Bernardes, que faz parte da equipe interdisciplinar da CGJGO, esse trabalho feito através do projeto que engloba os círculos restaurativos (foto à esquerda) promove uma verdadeira transformação no indivíduo e remete a reflexão e responsabilização do ofensor sobre o ato praticado. “Esse procedimento permite que as pessoas envolvidas participem do conflito, que toma proporções imensuráveis pela falta de diálogo. Menores infratores, por exemplo, vem de relações familiares desestruturadas e, por essa razão, a história de cada um está na contramão dos fatos”, destacou. A colega de Cíntia, a assistente social Maria Nilva Moreira, compartilha da mesma opinião. “Essas atividades, especialmente o círculo restaurativo, trabalham a perspectiva de futuro na pessoa, diferente do que ela está vivendo naquele momento. É uma reconstrução da própria identidade. Elas tem a oportunidade de falarem, expressarem seus sentimentos e serem ouvidas de verdade. Cada indivíduo passa a ser o protagonista da própria vida e sai da zona de conflito, Quando você fala sobre si tem melhores condições de elaborar sua própria experiência”, analisou.

Sobre a Justiça Restaurativa

A Justiça Restaurativa, desenvolvida em Goiás desde meados de 2011, é uma forma alternativa de procedimento de justiça na qual as pessoas diretamente envolvidas em situação de violência possuem participação ativa na tentativa de resolver o conflito entre elas. O procedimento adotado é simples e demanda apenas a disposição das partes para dialogar, uma mesa redonda e uma sala. No encontro conduzido com o auxílio de uma equipe técnica especializada, o método funciona somente quando as partes assumem espontaneamente as suas responsabilidades e concordam em participar da negociação. A Justiça Restaurativa é incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por meio do Protocolo de Cooperação para a difusão da Justiça Restaurativa, firmado com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

Defensores da justiça restaurativa estão espalhados pelo mundo, pois o método é aplicado em outros países. A primeira experiência internacional foi na Nova Zelândia. A legislação infantojuvenil do país da Oceania permite que os atos infracionais sejam debatidos em encontros restaurativos desde 1989. No Canadá e na Austrália, a Justiça Restaurativa também atinge bons resultados. Na América Latina, é referência o trabalho desenvolvido na Argentina e na Colômbia. Segundo especialistas de Bogotá, a redução de 30% na taxa de homicídios na capital se deu graças à justiça restaurativa. Os países líderes são considerados os lugares mais seguros do mundo. (Texto: Myrelle Motta/Fotos: Wagner Soares- Centro de Comunicação Social do TJGO)