Uma forma de sensibilizar e promover uma maior conscientização de toda a sociedade acerca do combate e da prevenção de exploração sexual de crianças e de adolescentes. Com esse viés foi realizado na tarde desta segunda-feira (20) o 4º Seminário Não Desvie o Olhar: Diga Não À Exploração Sexual, no Auditório Desembargador José Lenar de Melo Bandeira, do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. O evento foi promovido pela Coordenadoria da Infância e da Juventude do TJGO em parceria com a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Goiás, com o apoio da Escola Judicial de Goiás (Ejug).

Antes da abertura do evento, a Banda Mirim da Polícia Militar, que tem à frente o maestro Edenivan de Deus Santana e é um projeto social voltado para crianças carentes (algumas também foram vítimas de algum tipo de abuso sexual), fez uma apresentação do Hino Nacional. Na sequência, a juíza Maria Socorro de Sousa Afonso da Silva, coordenadora geral da Infância e da Juventude do TJGO, fez a abertura do seminário e dedicou um momento para a exposição de um vídeo de três minutos abordando a questão pela perspectiva de uma criança.

Ao lembrar que a exploração sexual de crianças e adolescentes é um fenômeno que se alastra, a magistrada acentuou a importância de um trabalho de sensibilização da sociedade, em um contexto geral, e citou dados fornecidos pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) que demonstram que, somente em Goiânia, do início deste ano até o momento, já foram registradas 582 ocorrências de violência sexual contra crianças e adolescentes, das quais 244 são anônimas, feitas pelo Disque Denúncia (Disque 100).

“Esse é um trabalho de suma importância, de sensibilização e conscientização, que refortalece neste mês a campanha nacional dedicada a esse tema com o envolvimento de todos os Tribunais do País e das redes de proteção a crianças e adolescentes. Não há o que comemorar, precisamos ter comprometimento e responsabilidade para com a vida desses seres inocentes, ainda em desenvolvimento. Dentro das suas atribuições, cada um de nós pode ser integrante dessa rede, denunciando comportamentos impróprios, ainda que anonimamente, simplesmente não fechando os olhos para o problema”, enfatizou.

Lembrando que a mobilização nacional ocorre em alusão ao dia 18 de maio, escolhido Dia Nacional de Enfrentamento à Exploração Sexual da Criança e do Adolescente em memória de Araceli Cabrera Sanches, uma menina de oito anos, que foi sequestrada no dia 18 de maio de 1973 e teve todos os seus direitos humanos violados: foi drogada, agredida fisicamente, violentada sexualmente e morta, a magistrada conclamou todos a participarem dessa luta para que tais fatos não voltem a acontecer.

“O caso de violência, ocorrido na cidade de Vitória, no Espírito Santo, chocou o País e os autores deste crime bárbaro conhecido como o “Caso Araceli”, de classe média alta do Estado, nunca foram punidos. Embora sejamos impactados pelos dados, devemos estar motivados para não abandonarmos essa luta. Certa vez, escutei uma frase que me fez e ainda me faz refletir sempre: Monstros não atraem crianças, homens bons e delicados sim”, alertou a magistrada.

Missão do Judiciário

Já o corregedor-geral da Justiça do Estado de Goiás, desembargador Kisleu Dias Maciel Filho, falou sobre a missão incumbida ao  Poder Judiciário e aos órgãos afins de enfrentar esta complexa realidade. A seu ver, apesar dos avanços das normas concernentes à tutela dos direitos das crianças e adolescentes, na prática é preciso um esforço concentrado e coletivo para sua verdadeira efetivação e uma melhor compreensão do que constitui delito de natureza sexual contra menores.

“Precisamos nos conscientizar de que a violência sexual praticada contra a criança e contra o adolescente envolve vários fatores de risco e vulnerabilidade. Nesse contexto, a criança ou o adolescente não são considerados sujeito de direitos, mas seres despossuídos de humanidade e de proteção. Justamente por essa razão, o magistrado que recebe ações relativas a crimes sexuais contra crianças e adolescentes, e são inúmeras, precisa ter um olhar mais sensível e diferenciado no julgamento desses processos, de natureza complexa e muito delicada”, pontuou.

O desembargador Kisleu Dias lembrou ainda que o TJGO foi o terceiro do País a implantar a sala de depoimento especial para ouvir crianças e adolescentes em situações que envolvem abusos sexuais, cujo funcionamento ocorre no 2º andar do Fórum Criminal e que atualmente tem uma psicóloga como facilitadora técnica e mais 10 pessoas para atuarem nesta sala específica, na comarca de Goiânia. “Existe um cuidado especial para que o depoimento da criança seja tomado de forma humanizada e para que ela não seja revitimizada. Todo o procedimento é gravado e acontece sem a presença do agressor. Estamos hoje promovendo este seminário tão importante, em parceria com a Coordenadoria da Infância e da Juventude e com o apoio da Escola Judicial de Goiás (Ejug), visando o enfrentamento desse problema com temáticas atuais como a alienação parental no que tange a denúncias de abuso sexual e as salas de depoimento sem dano”, evidenciou.

Citando ainda alguns dados nacionais da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos que revelam que mais de 77 mil denúncias de violações dos direitos infanto-juvenis foram registrados somente pelo Disque 100 nos anos de 2017 e 2018, e que desse montante, quase 20 mil são referentes a violência sexual contra crianças e adolescentes, o corregedor-geral chama a atenção para o fato de que os números são alarmantes e revelam um cenário assustador.

“A dimensão da exploração sexual contra crianças e adolescentes no Brasil certamente é muito maior do que os percentuais registrados nas estatísticas governamentais. Por esse motivo, a Corregedoria se coloca lado a lado com a Coordenadoria da Infância e da Juventude na articulação e na consolidação de toda esta rede de forma a assegurar à criança e ao adolescente o direito à vida digna de um cidadão em formação e em desenvolvimento, pois sabemos que os personagens participantes de casos referentes à violência sexual nesta seara envolvem famílias fragilizadas, crianças e adolescentes amedrontados e traumatizados, e, por vezes, profissionais com poucos recursos para a implementação dos serviços de atendimento especializado”, afirmou.

Alienação parental x abuso sexual

Ao abrir as palestras da tarde, o psicólogo criminal da Polícia Técnico Científica do Estado de Goiás, Leonardo Ferreira Faria (foto acima), coordenador nacional do curso de Pós-Graduação em Avaliação Psicológica e de Perícia Criminal e Ciências Forenses do Grupo DALMASS, fez uma ampla abordagem sobre um dos temas mais delicados e difíceis da atualidade: as falsas denúncias de abuso sexual em casos de alienação parental, um assunto ainda muito controverso e de difícil identificação. Em primeiro lugar, ele expôs o trabalho desenvolvido pela Polícia Técnico-Centífica nos casos que envolvem abusos sexuais contra crianças e adolescentes e contou que hoje existem 22 núcleos de atendimento, além de esclarecer que a requisição é obrigatória para a realização da perícia psicológica. “Tentamos criar um ambiente mais acolhedor para a criança e a avaliação de sanidade mental das vítimas e dos acusados é muito importante, pois a psicologia não trabalha com o aspecto material, concreto, e sim com o subjetivo ligado a sentimentos e comportamentos, já que o agressor é sempre um familiar ou alguém muito próximo. Crianças vítimas desse tipo de violência apresentam vários transtornos mentais e afetivos de toda ordem que vão desde a baixa autoestima ao medo, ansiedade, dificuldade de socialização”, frisou.

Quanto à prática de alienação parental, o psicólogo disse que é preciso ter muito cuidado com as falsas acusações relacionadas a esse tipo de crime, especialmente quando envolve disputas de guarda da criança. Ao fazer uma análise da situação, ele defende a necessidade de uma avaliação psicológica aprofundada não só da criança, mas do genitor, bem como a checagem das informações na escola. Um dos pontos de identificação, de acordo com ele, é justamente o fato de o genitor se sentir apreensivo com a entrevista da criança e o menor não apresentar sentimento de culpa ou ter dificuldades para “lembrar o que de fato aconteceu”. “O alienador sabe como ninguém manipular a criança e acaba inserindo memórias falsas de situações de abuso sexual que nunca aconteceram, daí a gravidade desse tipo de prática. Na entrevista com a criança é importante, por exemplo, deixá-la fazer alguma pergunta, pois nos casos verídicos de abuso sexual os relatos são espontâneos e não propositais”, relata.

Quanto aos níveis de alienação parental, Leonardo Faria explicou que a fase inicial causa uma dependência emocional e exagerada da criança com o genitor e que nos conflitos mais severos a criança acaba tomada por um sentimento de ódio pelo outro genitor em razão da construção de memórias e de eventos que geram esses pensamentos na criança. “Vídeos e áudios produzidos pelo genitor sugestionando a crianças também é uma prova contundente de alienação parental, embora só nós, profissionais, percebemos, ao deixarmos o manipulador à vontade para relatar os supostos fatos”, ensinou.

Encerrando as atividades, foi a vez da palestrante Kariny Brandão Massad Póvoa (foto acima), entrevistadora forense do Núcleo de Assessoramento sobre Violência Contra Crianças e Adolescentes no Posto de Depoimento Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), falar sobre o Depoimento Especial e a efetividade da Lei nº 13.431/2017. Compuseram a mesa, além do corregedor-geral e da juíza Maria Socorro, os juízes Sirlei Martins da Costa, auxiliar da Presidência do TJGO, e Donizete Martins de Oliveira e Algomiro Carvalho Neto, auxiliares da Corregedoria; o promotor Rafael Machado de Oliveira, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Educação do Ministério Público de Goiás; delegada Ana Elisa Gomes Martins, titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA); defensor Daniel Kenji, representando o defensor público geral do Estado; advogada Tatyana Lemes Borges, membro da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB; e Maria Aparecida Braga, representando a delegada e deputada Adriana Accorsi.

 

Estatísticas alarmantes

De acordo com estatísticas da Secretaria de Segurança Pública de Goiás, em 2018, foram registrados 1.941 casos de estupro de vulnerável. No ano anterior foram registrados 1.871. Em vários casos, os abusos aconteceram dentro da própria casa onde a criança mora. O Mapeamento dos Pontos Vulneráveis à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes nas Rodovias Federais (Mapear) apontou que Goiás é o segundo Estado do Brasil com o maior número de pontos críticos de exploração sexual de crianças e adolescentes nas BRs. O estudo aponta que há 55 locais críticos para os abusos nas rodovias que cortam o Estado.
Goiás também é o segundo com o maior número de municípios com esses pontos críticos, que são 28 no total, representando 11% do total do Brasil. Conforme o levantamento, o Estado tem “aproximadamente 2.838 quilômetros de malha viária federal”. Entre 2011 e 2017, o Brasil teve um aumento de 83% nas notificações gerais de violências sexuais contra crianças e adolescentes, segundo boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde. No período, foram notificados 184.524 casos de violência sexual, sendo 58.037 (31,5%) contra crianças e 83.068 (45,0%) contra adolescentes.

Violência dentro de casa

A maioria das ocorrências, tanto com crianças quanto com adolescentes, ocorreu dentro de casa e os agressores são pessoas do convívio das vítimas, geralmente familiares. O estudo também mostra que a maioria das violências é praticada mais de uma vez. O Ministério da Saúde considera violência sexual os casos de assédio, estupro, pornografia infantil e exploração sexual. Dentre as violências sofridas por crianças e adolescentes, o tipo mais notificado foi o estupro (62% em crianças e 70,4% em adolescentes). (Texto: Myrelle Motta: Diretora de Comunicação da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Goiás/Fotos: Wagner Soares - Centro de Comunicação Social do TJGO ) veja galeria de fotos