É inconstitucional a lei que versa sobre matéria típica de plano diretor ou que fixe diretrizes do território urbano municipal sem que seja precedida de estudo ambiental específico e de consulta popular.

O entendimento, unânime, é da Corte Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) que, ao seguir voto do desembargador-relator Leandro Crispim, declarou a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 017/2008, de 13 de outubro de 2008, do município de Aparecida de Goiânia, que dispõe sobre o zoneamento, uso e ocupação do solo da sua área urbana e rural, além de criar o Conselho Municipal de Zoneamento.

 

Ao fazer uma análise aprofundada do caso, Leandro Crispim salientou que a ação, movida pela Procuradoria-Geral de Justiça Estado de Goiás, se deu em razão da alteração de vários artigos da Lei Complementar nº 5, de 30 de janeiro de 2002, cuja nova redação passou a vigorar com o advento da lei mencionada. Em sua avaliação, o relator deixou claro que a instituição de novas áreas de expansão urbana implica em sérias mudanças nas políticas urbana e de desenvolvimento do município. “As alterações neste importe não podem ser levadas a cabo sem que haja prévio estudo técnico de impacto ambiental ou comprovativo da necessidade e viabilidade das transformações. Além disso, devem ser observadas as exigências constitucionais inerentes à participação popular, por meio de entidades representativas da comunidade”, observou.

A importância da participação popular na concepção do plano diretor foi um dos pontos mais destacados por Crispim em sua decisão, que citou como exemplo o voto da desembargadora Berenice Dias, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), baseado no estudo do professor de direito constitucional da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). “A experiência brasileira em planejamento urbano demonstrou a ineficácia dos planos diretores produzidos em gabinetes e sujeitos apenas à influência do mercado imobiliário. A participação popular na fase de elaboração do projeto no Poder Executivo não supre a exigência imposta ao Poder Legislativo de realizar audiências ou debates públicos bem como divulgar as informações que o subsidiam”, elucidou, ao mencionar trecho do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70020527149, que tratou do mesmo tema, de relatoria da referida desembargadora.

Plano Diretor e Lei de Zoneamento: elaboração deve ser conjunta

Por outro lado, na opinião de Crispim, tanto o Plano Diretor como a Lei de Zoneamento não podem ser concebidos isoladamente. “Esse tema exige a participação da população e estudo prévio sobre questões ambientais, conforme previsto na Constituição do Estado de Goiás (artigo 132, §3º). A Lei Complementar nº 017/2008 foi aprovada sem que tenha sido aberta ao debate popular. Inexiste prova no sentido de que tenha havido efetivamente qualquer audiência pública, em cuja pauta estariam centradas questões relativas às modificações pretendidas ao Plano Diretor, atinentes ao zoneamento, com modificações expressivas a alterar o teor dos instrumentos de planejamento e urbanização concebidos”, asseverou.

Outro aspecto apontado por Leandro Crispim é o fato de que a matéria é tratada pela Constituição Estadual em simetria à Federal. “Não se afasta da ideia e do conceito da ação pública o planejamento. No particular, ao município, prevê o artigo 29, XII, da Constituição Federal, como princípio básico a se inserir na Lei Orgânica Municipal a cooperação das associações representativas no planejamento do município. O princípio da cooperação da participação é o da solidariedade. O plano diretor qualifica-se como ancoradouro instrumental da participação e da solidariedade no espaço urbano. Prestigia-se normativamente a colaboração com os particulares. É a grande mensagem da atual Constituição que, por várias vezes, se refere à participação”, ponderou, ao seguir doutrina de José Nilo de Castro. (Texto: Myrelle Motta - Centro de Comunicação Social do TJGO)

Ementa

A ementa recebeu a seguinte redação: “Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 017/2008, do Município de Aparecida de Goiânia. Disposição sobre o zoneamento, uso e ocupação do solo da área urbana e rural municipal. Temática afeta à Lei de Zoneamento, Estatuto da Cidade, Constituição Estadual e Federal. Preliminares de Extinção do Processo em Análise de Mérito. Afastadas. Não há  falar-se que o tema atinente à inconstitucionalidade suscitada só foi levado a efeito por normativa federal, uma vez verificada a existência de ofensa direta aos comandos da Constituição Estadual. Inépcia da Inicial. Inocorrência. Se a ação teve por base somente a norma editada sem observância das exigências constitucionais relativas à participação popular e realização de estudos prévios de impacto ambiental, vício que não atingem a lei que foi por ela revogada, não há falar-se em constar da inicial pedido sucessivo de declaração de inconstitucionalidade em relação a ela. Ausência de Observância de Exigências da Constituição Estadual. Falta de Consulta Popular e Estudo Prévio Ambiental. Inconstitucionalidade. É inconstitucional a lei que versa sobre matéria típica de plano diretor ou que fixa diretrizes do território urbano municipal, sem que seja precedida de estudo ambiental específico e de consulta popular. Se a Lei Complementar nº 017/2008, ao ser editada não observou as exigências do comando da Constituição Estadual, editado em simetria à Constituição Federal, há de ser declarada inconstitucional. Ação Direta de Inconstitucionalidade Procedente”. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 69802-79.2011.8.09.0000 (Proc. nº 201190698021), de Aparecida de Goiânia. Acórdão de 28 de novembro de 2012.