A 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), manteve sentença que julgou improcedente ação de indenização por danos morais proposta por Tatiele Gomes da Silva e José Ricardo Gomes Lomeu, contra o padre Luiz Carlos Lodoi da Cruz, que conseguiu habeas corpus que a impediu de antecipar parto de um feto diagnosticado com a doença denominada Síndrome de Body Stalk. A decisão unânime, tomada em agravo interno em apelação cível, segue voto do relator, desembargador Kisleu Dias Maciel Filho (foto).

Para ele, “a propositura de habeas corpus por padre visando a suspensão de procedimento de antecipação de parto não configura abuso do direito de ação, vez que o caso da gestante não está previsto como causa de excludente de ilicitude pelo Código Penal, ou mesmo por construção jurisprudencial”.

Tatiele sustentou que, em 6 de outubro de 2005, obteve na 1ª Vara Criminal de Goiânia, alvará judicial para antecipação de seu primeiro parto, pois o feto era portador de múltiplas deformações. “O cordão umbilical era muito curto e a placenta havia ficado próxima de sua parede abdominal, que não se fechou, deixando as víseras expostas”, afirmou. Segundo ela, iniciados os procedimentos para a indução do parto, inclusive já com medicação para a dilatação do colo do útero, recebeu a notícia, juntamente com os médicos que a assistiam, de que o procedimento teria de ser suspenso em razão de liminar proferida pelo TJGO, no habeas corpus proposto pelo padre.

Conforme ressaltou Tatiele, em razão disso, ficou por 11 dias em casa, sofrendo dores e sangramento, em estado de angústia e desespero até o momento do parto, que ocorreu apenas em 22 de outubro, vindo o bebê a óbito logo em seguida. Para o casal, o dano moral causado pelo padre consiste no sofrimento físico, psicológico e injustificável prolongamento de riscos à saúde e abusividade de impor os dogmas de sua religião.

Direito à vida

Assim como a Justiça de 1º grau, o relator ponderou que, “se de um lado, os apelantes sofreram dias de dores e angústia ao terem que aguardar o parto natural do feto que esperavam, em razão da suspensão do alvará judicial que autorizava a sua antecipação; por outro lado, há o interesse do apelado, como cidadão, de utilizar-se dos meios legais ao seu alcance para ver tutelado o direito à vida, pois as hipóteses em que se admite atentar contra ela estão elencadas de modo restrito, inadmitindo-se interpretação extensiva, tampouco analogia em desfavor da parte, devendo prevalecer o princípio da reserva legal”.

Kilsleu observou também que o ordenamento jurídico brasileiro dá guarida aos direitos do nascituro ao estabelecer, no artigo 2º do Código Civil, que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.'

O relator ponderou ainda, que a Constituição Federal garante aos cidadãos a utilização dos chamados "remédios constitucionais", a exemplo dos habeas corpus e mandado de segurança, para a proteção dos direitos fundamentais, sejam eles individuais, coletivos, difusos ou, no caso, de terceiro. “Tendo em vista que a tutela constitucional erige a inviolabilidade do direito à vida como valor supremo de nosso Estado, ainda que laico, diante de um juízo de ponderação, não deve sobre ele prevalecer o direito à intimidade dos apelantes, de modo que não se vislumbra qualquer ato ilícito na conduta do apelado, quiçá abuso do direito de ação”, pontuou Kisleu Maciel.

Ementa

"A ementa recebeu a seguinte redação: Ementa: Agravo interno. Apelação Cível. Ação de indenização por danos morais. Ação de habeas corpus. Direito Constitucional de ação. Não configuração de Abuso do direito de ação. Ausência de ato Ilícito. 1. A propositura de habeas corpus por padre visando a suspensão de procedimento de antecipação de parto não configura abuso do direito de ação, vez que o caso da gestante não está previsto como causa de excludente de ilicitude pelo Código Penal, ou mesmo por construção jurisprudencial. 2. Não há que se falar em responsabilidade civil quando a conduta imputada ao requerido não é contrária ao ordenamento jurídico. Ademais, a restrição ao direito constitucional de ação deve ser analisada com cautela, pois o abuso de tal direito está estreitamente relacionado à má-fé processual da parte contrária, o que não se evidencia nos autos. 3- Não merece censura a decisão monocrática prolatada pelo relator que nega seguimento a recurso interposto, nos termos do artigo 557, “caput”, do CPC. Agravo interno conhecido e improvido. Apelação Cível (Agravo Interno) nº 443199-47.2008.8.09.0051, (200894431994). (Texto: Lílian de França – Centro de Comunicação Social do TJGO)