“Conhece-te a ti mesmo. Talvez seja esse o maior desafio que temos. Desde o início minha meta era ser um cidadão do bem, mas inexplicavelmente as coisas tomaram outro rumo. Hoje peço perdão às famílias que vitimei e seja o que Deus quiser. Não sou indiferente, embora pareça. Acredito que de onde vem um grande mal, também vem um grande bem.” Com esse teor, a carta escrita de próprio punho pelo suposto serial killer, o vigilante Tiago Henrique Gomes da Rocha, foi lida e juntada aos autos durante audiência de instrução preliminar realizada na tarde desta terça-feira (26), na 1ª Vara Criminal de Goiânia, para apurar a morte de Janaina Nicácio de Sousa. Ela foi assassinada com um tiro na nuca, em 8 de maio de 2014, dentro de um bar no Bairro Jardim América, em Goiânia. A audiência foi presidida pelo juiz Jesseir Coelho de Alcântara.

De cabeça baixa e totalmente em silêncio, Tiago permaneceu por pouco tempo na sala de audiência. Na carta, ele afirma que “houve erros em seu processo”, que foi “pressionado a falar na delegacia”, que “houve calúnias”, que a “imprensa causou tumulto” e que o resultado do laudo médico foi apenas “fachada” para condená-lo. “Houve parcialidade nesta comarca, mas creio que daqui em diante haverá mudanças, meu caso está em boas mãos”, frisa. No documento, o vigilante também diz que não é fácil explicar o que o levou a cometer os crimes e questiona: “Terá sido uma força maior?”

Em um dos trechos da carta, o suposto serial killer também declarou se lembrar de ter atirado contra quatro vítimas e sustentou que saía às ruas alcoolizado, com “grande exaltação de ânimo”. “Depois que via a vítima ficava cego e só recobrava a consciência depois que estava fugindo, aí já era tarde”, enfatizou. Primeiro a prestar depoimento, Alex Alves dos Santos e Silva, que tinha um relacionamento com Janaína há cerca de quatro meses e estava com ela em um bar quando foi assassinada, disse que foi ao banheiro quando ouviu o tiro. “Voltei imediatamente e vi a Janaína caída no chão. O cara saiu de moto, usava um blusão preto, calça jeans e capacete. Era magro, mas não deu pra ver o rosto”, confirmou.

Muito emocionado e chorando continuamente, o marido da vítima, Juarez Gondim Caixeta, contou que recebeu a notícia na manhã seguinte ao crime e disse que da convivência de dez anos tiveram um casal de filhos, uma menina e um menino, de 7 e 8 anos. Ele afirmou que Janaína não tinha problemas com ninguém e que a considerava uma esposa e mãe exemplar. “O que dizer para um filho no Dia das Mães quando ele pergunta pela mulher que o colocou neste mundo, o alimentou, deu carinho e amor? A frase foi: 'Pai, cadê minha mãe?' Não tem nada mais doloroso que isso”, comoveu-se, em prantos, ao expor ainda que teve de se mudar para o interior para cuidar dos filhos e na tentativa de amenizar um pouco do trauma deixado pela ausência da mãe.

Último a ser ouvido, o delegado Eduardo José do Prado, que participou da força-tarefa para chegar até o autor dos crimes, fez uma explanação sobre o levantamento e o estudo criminológico feitos pela polícia que, de acordo com ele, analisou o modus operandi e o perfil do serial killer. “Li mais de 2.400 páginas do inquérito e a avaliação foi aprofundada. A análise ocorreu desde o serviço de inteligência para averiguar as imediações, depoimentos e retratos falados de testemunhas”, evidenciou.

Balanço dos casos

Em entrevista à imprensa, Jesseir Coelho fez um prévio balanço dos casos e esclareceu os veículos de comunicação acerca da quantidade de ações que tramitam contra Tiago, a validade da carta perante a Justiça e os demais trâmites legais. Ele explicou que tramitam 29 processos no Judiciário contra Tiago, dos quais 23 estão na 1ª Vara Criminal. Destes, já foram realizadas 18 audiências e proferidas 8 pronúncias (júri popular) – também foi proferida decisão de pronúncia na 2ª Vara Criminal, totalizando 9.

O magistrado também deixou claro que recebeu a carta sem assinatura, por intermédio da advogada, e observou que a partir do momento em que determinou sua juntada aos autos e aos demais processos contra Tiago ela passou a ser uma prova documental. “Não é um procedimento comum escrever uma carta e ficar em silêncio completo. Mas a própria Constituição Federal assegura ao acusado esse direito”, elucidou.

Jesseir também pontuou que cada caso é analisado de forma individualizada e que não existe como definir prazo ou data específica para a realização dos júris a que Tiago será submetido. “Acredito que antes de agosto não deverá acontecer nenhum júri, uma vez que a defesa tem apresentado recursos no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO). Como cada caso é individual, a apreciação no TJGO demanda um certo tempo”, asseverou. (Texto: Myrelle Motta/Fotos: Wagner Soares – Centro de Comunicação Social do TJGO) 

Veja galeria de fotos