Dez anos depois da Lei 11.340/2006, que ficou conhecida como Maria da Penha em homenagem à mulher que, na década de 80, ficou paraplégica ao ser agredida pelo marido (foto), caiu em cerca de 10% a projeção de aumento da taxa de homicídios domésticos a partir de 2006, quando entrou em vigor. Os dados são do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2015, e demonstram a efetividade desta lei, que, no domingo (7), completa uma década e já alterou o destino de muitas mulheres que tiveram a vida destruída por seus companheiros.

Apesar de a Lei ter como foco a agressão e não o homicídio, a queda no índice desse crime retratada pelo Ipea é importante, se partirmos do pressuposto de que o homicídio é o resultado de uma série de agressões. Segundo o desembargador Luiz Cláudio Veiga Braga (foto à direita), presidente da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar e de Execução Penal do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), a Lei que trata do feminicídio é a Lei 13.104/2015, porém, a violência de gênero começa com ameaças até chegar em um grau maior.

De acordo com ele, esta queda no índice é atribuída também à atuação do Poder Judiciário, uma vez que as mulheres passaram a delatar os autores e a procurarem proteção. “Ao longo desses 10 anos, as mulheres têm buscado mais o Poder Judiciário. As estatísticas, às vezes, indicam um número maior de ações penais nos crimes de gêneros porque, em verdade, o que se verifica é que as mulheres passaram a delatar os autores, fazendo com que as estatísticas aumentem o indicativo no número de ações”, ressaltou.

Ainda segundo os dados do Ipea, no Brasil, a taxa de homicídios de mulheres dentro de casa era de 1,1 para cada 100 mil habitantes em 2006, e de 1,2 para cada 100 mil habitantes, em 2011. Para o desembargador, apesar de só surgir em 2006, a lei específica para proteção da mulher vítima do crime de gênero traz instrumentos significativos e modernos. “Há um avanço. As medidas protetivas, a possibilidade do juiz mesmo na fase da investigação decretar de ofício a prisão preventiva do autor, são alguns exemplos”, enumerou.

Ao fazer um balanço sobre os 10 anos da lei, Luiz Cláudio Braga destacou que a criação e instalação de juizados específicos também demonstram atuação do Poder Judiciário. Em Goiás, por enquanto, são quatro juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, dos quais dois na comarca de Goiânia, um em Rio Verde e outro recém-instalado, em Jataí. “Você coloca para atuar como juiz alguém que tenha vocação para lidar com essa temática; há ainda celeridade nos processos, pois eles saem das varas comuns e vão para uma unidade específica e o juiz dá atenção exclusiva a este tipo de delito; há uma atuação do juiz a tempo e a hora com maior agilidade inclusive na proteção da mulher com aplicação das medias protetivas de urgência e, por fim, o estabelecimento de apoio e de acompanhamento para mulher vítima de violência e também para o homem autor do fato”, frisou.

Para o juiz Altair Guerra da Costa (fotos à direita), do 1° Juizado de Violência Doméstica Familiar contra a Mulher de Goiânia, não há dúvidas de que as vítimas estão mais confiantes e se sentem estimuladas a denunciar as agressões contra elas praticadas. “Os agressores entenderam que as consequências penais são efetivas e severas, o que alcança a prevenção geral. O Sistema de Justiça compreendeu a prioridade e atenção que merece essa matéria e o poder público começou a despertar para a necessidade de implementar políticas públicas tendentes ao enfrentamento do problema, tanto no amparo à vítima quanto na educação das futuras gerações”, revelou.

Segundo ele, os magistrados estão incumbidos em empenhar-se para dar a resposta judicial no menor prazo possível, tendo em mente as características especiais que envolvem a violência doméstica e familiar, utilizando, sobretudo, da sensibilidade como diferencial.

Desafios
Os juízes que atuam nestes juizados sabem que os desafios ao lidarem com esse tipo de ação não são poucos. O juiz Rodrigo de Castro Ferreira (foto à esquerda), do juizado da mulher de Jataí, vê como oportunidade atuar como vetor de transformação social, bem como continuar a garantir uma prestação jurisdicional célere e de qualidade.

“A Lei Maria da Penha estabelece mecanismos para proteger e coibir a violência de gênero, cuja aplicação pelo Poder Judiciário converge para a desconstrução da cultura machista, que perpetua a visão de poder e posse dos homens sobre as mulheres, matriz moral conservadora que ofende os ditames constitucionais e deve portanto ser combatida pelo Poder Judiciário”, destacou.

Combate à cultura machista
A cultura machista do País revela que muito ainda precisa ser feito para combater esse tipo de crime e a Lei Maria da Penha contribui de forma fundamental nesse processo. “A utilização da lei para criação de grupos para reflexão é um ponto muito importante, ou seja, há a desconstrução dessa cultura machista e paternalista. Estamos num processo de mudança cultural e um exemplo disso, são as audiências de reflexão, onde os autores do fato participaram de debate e tem acompanhamento com especialistas. Essas audiências fazem com que esses autores não reincidam, ou seja, o índice de aproveitamento é de 100%, não há histórico de reincidência”, enfatizou o desembargador Luiz Cláudio Braga.

Para Rodrigo de Castro, por questões históricas e culturais, a violência de gênero é uma “triste realidade que assola a sociedade”, cabendo ao Poder Judiciário, que desempenha o mister constitucional de pacificação social, implementar no seu âmbito de competência os instrumentos e mecanismos definidos na legislação de regência.

“A chamada Lei Maria da Penha mudou a forma de processamento da ação penal, retirando da vítima a prerrogativa de decidir por processar ou não o agressor (no caso de lesão corporal), instituindo a ação penal pública incondicionada como regra, dando prevalência, assim, ao interesse público sobre o interesse particular ou conveniência da vítima. Mudou também a resposta penal, endurecendo-a ao afastar a aplicação da Lei nº 9.099/95 e das penas alternativas (cestas básicas ou outras modalidades de penas não privativas de liberdade) e, ainda, elevou substancialmente a pena do crime de lesão corporal praticado contra mulher numa perspectiva de gênero”, pontuou Altair Guerra. (Texto: Arianne Lopes – Centro de Comunicação Social do TJGO)