A coordenação do Justiça Ativa deparou, pelas circunstâncias, com uma inusitada ação na comarca de Campos Belos. Trata-se de uma ação reivindicatória em que a titular do domínio postulou a proteção judicial para reaver a posse de uma quadra inteira no centro da cidade, com área total de 5.360 metros quadrados, ocupada e edificada por diversas pessoas.

Na contestação, os réus justificaram o ingresso na propriedade invocando uma suposta doação do município, o que lhes atribuiria a condição de possuidores de boa-fé, todavia, juntaram, para tanto, simples declaração do prefeito.

Em face da constatação de várias edificações comerciais e residenciais já consolidadas no local, a coordenação do programa Justiça Ativa, ciente do valor comercial da área em disputa e do grande número de jurisdicionados envolvidos, para alcançar um acordo, solicitou ao município a emissão de laudo de avaliação da quadra, o que também foi determinado ao Oficial de Justiça.

De posse dos dois laudos e cientificado do valor atual da área, o juiz Fernando Samuel passou a conciliar as partes. Foram quase três horas de debates para se chegar a um acordo – de um lado, a proprietária da quadra no centro da cidade, e, do outro, os possuidores desprovidos de título de domínio. No fim, as partes ajustaram o valor do metro quadrado e o pagamento, por possuidor, limitado à metragem de sua posse. Finalmente, os moradores terão a situação regularizada, com a outorga de escritura, após consumado o pagamento.

Segundo um dos requeridos, ex-servidor da prefeitura, Antônio Carlos Pereira dos Santos, o proprietário original do lote tinha dívidas de impostos e taxas municipais. Para quitar, ele teria concedido  “verbal” e "amigavelmente" o terreno, que foi loteado pelo Município e doado para famílias de baixa renda. Contudo, a doação ao poder municipal nunca foi oficializada, o que motivou a viúva, que herdou o bem, a ajuizar ação reivindicatória.

Renato Cardoso, filho da proprietária e seu representante, resolveu abrir mão de cerca de 30% do valor pedido para fechar o acordo e finalizar instantaneamente a demanda. “Acredito que foi um prejuízo para mim, mas entendo que estou colaborando com o Poder Judiciário ao resolver agora o processo. Sem acordo, eu iria demorar muito tempo para receber os valores ou os lotes de volta”, afirmou.

Construir uma casa melhor era o sonho do agricultor Pedro Cardoso da Cruz e da mulher Vanda Souza Santos, que na época da doação residiam num local propício a enchentes e alagamentos, pela proximidade com um córrego. O casal, então, ganhou do município o lote de 300 metros quadrados e começou, em 2005 a construir no local uma casa de três quartos, para abrigar a família de três filhos. A finalização da obra só se deu em 2011, ano em que eles souberam da reivindicação da posse.

"A prefeitura nos deixou à mercê, não imaginava que passaria por esse constrangimento. Mas, agora, finalmente, poderemos receber e ter nossa documentação acertada", conta o agricultor.

“Fiquei com medo de não poder deixar nada para meus filhos e netos, agora, pelo menos, teremos tranquilidade”, completa Vanda.

A situação da professora Valci Costa Madureira foi ainda mais complicada. Ela comprou um lote vizinho à área em questão, mas a prefeitura a teria instruído a ceder o fundo do terreno para ser aberta uma rua e, em troca, recebeu um trecho do terreno irregular.

"Na época, eu não queria, mas não tive opção. Vejo essa solução de agora com bons olhos. Graças ao empenho do juiz em propor, conversar e esclarecer com a gente, conseguimos um acordo para resolver nossa vida".

Também professor e residente do local, Paulo Fleury Costa Ramos saiu satisfeito da audiência. "Vai ser um aperto pra mim, ter de pagar o lote, mas vou parcelar. Se tivesse de sair de lá, eu não teria lugar para morar, teria de ir com minha esposa para a casa de minha irmã", afirma. Ele relata que seu prejuízo foi dobrado: ele não recebeu o terreno de doação, mas comprou de um donatário original, com a casa inacabada.

Apesar da demora em acertar uma solução, o magistrado responsável afirmou que valeu a pena conseguir o acordo entre as partes. "A justiça é uma ferramenta voltada à pacificação social e não, para reafirmar o valor das normas jurídicas. O Direito não tem fim em si mesmo, a finalidade é o bem-estar da sociedade", disse.

Ainda segundo Fernando Samuel, o que lhe chamou atenção no processo para tentar conciliar e não, apenas sentenciar, foi a quantidade de pessoas envolvidas, com seus comércios e residências, e um possível impacto da decisão judicial. "Apesar de ser simples, do ponto de vista jurídico, a causa é bastante complexa pela postura do poder municipal ter autorizado os possuidores o ingresso no bem".

Apenas um morador, do grupo de 16 famílias, não aceitou o acordo. Para este, Fernando Samuel proferiu sentença ainda durante a audiência, julgando procedente o pedido e determinando a imissão na posse, para depois do trânsito em julgado da sentença. (Fotos: Wagner Soares - Centro de Comunicação Social do TJGO)