Um canal aberto para o diálogo franco com a sociedade, que tem a oportunidade de expor suas ideias, críticas e sugestões, permitindo, assim, que a própria Justiça se faça conhecer melhor, desde as suas virtudes até os problemas que necessitam de enfrentamento urgente. Essa é a principal vertente do 1º Encontro Regional da atual gestão da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Goiás, que tem à frente o desembargador Kisleu Dias Maciel Filho e foi realizado em Luziânia na quinta e na sexta-feira (30 e 31), no Auditório do Tribunal do Júri. A solenidade de abertura da audiência pública foi precedida pelo corregedor-geral, pelo juiz Aldo Guilherme Saad Sabino de Freitas, coordenador do programa e auxiliar da Corregedoria, e pela juíza Flávia Cristina Zuza, diretora do Foro local.

Na ocasião foi anunciada ainda a implementação do Projeto Pilares, da CGJGO, fruto de uma parceria entre a CGJGO e a Secretaria Municipal de Educação (SME), que já funciona em várias escolas de Goiânia com o objetivo de disseminar uma comunicação não-violenta e edificar uma cultura de paz nas escolas por meio da formação de facilitadores das redes de ensino para a construção de círculos de paz. Em discurso emocionado, o corregedor-geral expressou a imensa satisfação em retornar a Luziânia, onde viveu parte da infância com o pai, o juiz Kisleu Dias Maciel, que atuou na comarca por 12 anos após ser removido pelo critério de merecimento ao cargo de juiz de direito da 2ª entrância, em meados da década de 60.

“Esse momento é único, ímpar, me faz voltar no tempo e relembrar com saudade da minha infância. Realmente não teria como deixar de iniciar minha fala sem externar o grande apreço que tenho por esta comarca, onde meu pai, eu e toda a minha família, fomos sempre tão bem acolhidos com muito carinho por essa população”, manifestou-se, ao afirmar que o Encontro Regional trazido pela equipe da Corregedoria a Luziânia é uma forma de retribuir o afeto dispensado, já que o programa é considerado uma das mais importantes ferramentas de aproximação do Poder Judiciário com a comunidade.

O corregedor-geral lembrou que o Judiciário, mesmo nos dias atuais e com a adoção de métodos alternativos de resolução de conflitos, ainda enfrenta uma cultura da litigiosidade, causada muitas vezes por uma falta de comunicação adequada. A seu ver, o Programa Encontros Regionais (antes denominado Audiências Públicas) é justamente uma forma de contribuir para essa mudança de mentalidade, pois tem por finalidade promover um diálogo aberto com a sociedade goiana, possibilitando a qualquer cidadão uma interação consciente dos serviços próprios de sua área de atuação; ao mesmo tempo que se coloca como catalisador de soluções para as demandas sociais da alçada dos outros Poderes.

“Esse programa, o primeiro da nossa gestão, é um convite para um debate aberto com a comunidade, despido das formalidades e solenidades sempre presentes nos atos do Poder Judiciário. O ideal de justiça é valorizado por quem a busca com o objetivo de resolver um problema e encontra a aplicação do direito com segurança e respeito. O exame dos dados relativos ao Judiciário, conforme demonstrado em várias estatísticas nacionais, evidencia que a procura por seus serviços é extraordinária e tem sido crescente. Neste sentido, a audiência pública realizada nos Encontros Regionais é capaz de propiciar e possibilitar que o Judiciário compreenda os contextos de realidade em que atua e elabore diagnósticos destinados a orientar o exercício da jurisdição e da administração da Justiça”, enfatizou.

Atuação efetiva de magistrados e alcance social

Outro ponto destacado pelo corregedor-geral foi a atuação efetiva dos magistrados e representantes do Judiciário junto às comunidades das comarcas, tratando, inclusive, de assuntos de interesse social. “Essa técnica favorece o acesso e a melhoria dessa comunicação, cujo intuito é receber sugestões, críticas construtivas, solicitações e levantamento de questões afetas à Justiça, e, sobretudo, respostas sobre a aceitação e o alcance das ações promovidas por este Poder”, evidenciou.

Satisfeito em perceber a interação entre todos os poderes constituídos durante o encontro, o desembargador Kisleu Dias apontou a atuação conjunta como uma forma efetiva de resolução dos problemas trazidos pela sociedade. Também mencionou a importância dos cursos de capacitação para os servidores, que acontece paralelamente ao evento nos dois dias de realização. “Esse projeto, de amplo cunho social, visa também a incutir no juiz de primeiro grau de jurisdição a necessidade de ouvir a comunidade e de se sensibilizar com os problemas sociais por ela vivenciados, além de oferecer aos servidores a oportunidade de se capacitarem em áreas diversas, muitas vezes complexas, valorizando-os como merecem. Desta forma, o Encontro Regional se revela um importante agente de transformação social por sua participação direta na comunidade, indo muito além da entrega da prestação jurisdicional”, pontuou.

Em breves palavras, o juiz Aldo Saad rotulou o encontro como proveitoso e tradicional, um momento de abertura com a sociedade e de plena interação com todos os Poderes. “A Corregedoria hoje se faz aqui presente e abre seus ouvidos para quaisquer críticas, sugestões, reclamações, solicitações. Estamos aqui para auxiliar, para tentar aprimorar a prestação jurisdicional, para atendê-los da melhor forma possível”, sublinhou.

Referência, novos tempos e ferramentas alternativas

Ao falar sobre o 1º Encontro Regional deste biênio, a juíza Flávia Zuza referendou a figura do juiz Kisleu Dias Maciel e disse que ele jamais foi ou será esquecido em razão do importante legado deixado na comarca com sua atuação sempre brilhante e seu senso apurado de Justiça. “Para ilustrar um pouco do nosso passado, o grande exemplo dado pelos magistrados que já passaram por aqui trago ao público presente o compromisso da ilustre figura do juiz Kisleu Dias Maciel e uma sentença inovadora da sua lavra proferida em 1963, exposta a todos para o devido conhecimento por honrar toda a magistratura goiana, já que ele agiu em defesa do interesse de dois menores em uma ação para divisão de terras da Fazenda Corumbá (atitude inusitada para essa época), cuja sentença foi proferida em 30 dias”, ressaltou.

De acordo com a magistrada, os desafios do Judiciário na atualidade são inúmeros com um crescimento exacerbado das demandas e, por esse motivo, se faz necessário o princípio da cooperação e de ferramentas alternativas como o Encontro Regional para lidar com essa nova realidade. “Vivemos novos tempos, de grande cobrança, de interação, de aprimoramento da Justiça com ferramentas tecnológicas para auxiliar os serviços judiciais como os processos virtuais, por exemplo. Acredito que essa é a proposta desses encontros, um atalho para o futuro, pois já vivemos em rede, a sociedade ainda está aprendendo a conviver com a diversidade, com aquilo que é diferente. Os encontros são parte dessa evolução por meio dos cursos de capacitação, das dinâmicas, das reuniões, uma oportunidade valiosa de crescimento e integração, mesmo com os recursos cada vez mais escassos”, proclamou, ao explicar que hoje tramitam cerca de 28 mil processos na comarca.

O prefeito municipal de Luziânia, Cristovão Vaz Tormin, saudou o corregedor-geral, a quem classificou de “filho de Luziânia”, pela relação especial de afetividade que possui com a comarca marcada pela trajetória do pai. “O legado de Kisleu Dias Maciel nunca será esquecido, por onde ele passou deixou a marca do trabalho sensível. Quanto ao programa, percebemos o quanto ele é bem idealizado, levando aos serventuários e à comunidade uma Justiça verdadeira que demonstra a sensibilidade de quem está no comando”, realçou. A implantação do Projeto Pilares na comarca, que hoje tem mais de 220 mil habitantes, conforme observou o prefeito, vem complementar as atividades já desenvolvidas pelo município em parceria com a Secretaria Municipal de Educação. “Luziânia só tem a ganhar com a instalação desse projeto tão importante pela sua natureza social e humana, que prima pela disseminação da cultura da paz, pela resolução de conflitos no âmbito escolar e que vai ao encontro aos anseios de toda a comunidade”, frisou.

Compuseram a mesa diretiva dos trabalhos, além do corregedor-geral e da juíza Flávia Zuza, o prefeito de Luziânia; o presidente da Câmara Municipal local, vereador Paulo César Cardoso Feitosa; o delegado regional Rodrigo Mendes de Araújo; o tenente Coronel Elifaz da Silva Alencar, comandante do 1º Batalhão da Polícia Militar; e Luciano José Braz Queiroz, presidente da Subseção da OAB de Luziânia.



Audiência interna e capacitações

Os juízes Fabiano Abel Aragão Fernandes, auxiliar da Presidência do TJGO e Romério do Carmo Cordeiro, coordenador do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec), participaram da audiência interna com magistrados e servidores no período da manhã juntamente com o corregedor-geral e o juiz Aldo Saad. A abertura dos cursos de capacitação foi feita com a parte introdutória do curso Liderar é Servir. Durante os dois dias de realização, foram ministrados cinco cursos com abrangência das seguintes áreas: Processo Judicial Digital, Contadoria, Sistema Controle da CGJGO, Proad e Atuação Institucional dos Cejusc's - Mediação e Conciliação Judicial.

O juiz Aldo Guilherme Saad Sabino de Freitas, auxiliar da Corregedoria e coordenador do Programa Encontros Regionais, proferiu palestra na quinta-feira sobre o Novo Código de Processo Civil (CPC), englobando vertentes relativas a inovações, cooperação e aplicação a outros ramos processuais (Processo Penal, Processo Administrativo e Processo Eleitoral). Já o juiz Algomiro Carvalho Neto, também auxiliar da Corregedoria, se reuniu com os representantes dos cartórios extrajudiciais locais visando o aperfeiçoamento dos serviços nesta seara. O corregedor-geral fez questão de acompanhar de perto alguns cursos e cumprimentar os participantes nas salas onde as palestras estavam sendo proferidas. Toda a organização do evento ficou a cargo da equipe da Diretoria de Planejamento de Programas da Corregedoria, liderada pelo diretor Clécio Marquez, que também participou ativamente do evento desde o início.

Rol de homenagens e emoção

Em homenagem ao juiz Kisleu Dias Maciel, pai do corregedor-geral, o prédio do fórum local leva o seu nome. Contudo, as homenagens ao corregedor-geral pelos relevantes serviços prestados à comarca com afinco e brilhantismo, também pelo legado deixado pelo seu pai, se estenderam após a abertura do evento. Em um dos momentos mais emocionantes do Encontro Regional, a juíza Flávia Zuza entregou nas mãos do corregedor-geral uma sentença proferida pelo seu pai em 1963, na época datilografada e com nota escrita à mão, cujo teor era inovador para aquele período, pois se tratava do direito de dois menores em uma divisão de terras de uma Fazenda denominada “Corumbá”.

Conforme relatado nos autos, os pais das duas crianças eram condôminos da fazenda e representantes legais dos dois menores. Utilizando uma forma diferente, humana e justa para julgar o caso na década de 1960, o magistrado reconheceu o direito das menores à “gleba de terras”, sentença arrojada para a época, pois vários julgados se manifestavam de forma contrária, ou seja, a partilha ou a delimitação de propriedades imóveis só poderiam ser realizadas entre pessoas capazes de transigir.

Ao explicar o teor da sentença proferida pelo juiz Kisleu Dias Maciel e a maneira ponderada e humanizada de ver a situação em um contexto que envolvia dois menores, Flávia Zuza fez ainda uma menção especial à nota final (escrita à mão pelo magistrado), na qual o magistrado teve o cuidado de informar que o processo não foi despachado no prazo legal em razão de ter recebido mais de 100 processos ao mesmo tempo devido ao seu acúmulo nos cartórios locais após o período das férias. “Para ilustrar um pouco do passado, o grande exemplo dado pelos magistrados que já passaram por aqui trago ao público presente o compromisso de uma ilustre figura, aqui jamais esquecida, Doutor Kisleu Dias Maciel”, elogiou. Por sua vez, o corregedor-geral comentou um pouco sobre a figura paterna, muito presente em sua vida e seu principal referencial até na escolha da carreira. “Quando eu achava que já tinha vivido tudo, sou agraciado com essa homenagem, que não tem preço. Esse realmente era o meu pai, sempre justo, humano e equilibrado. Fica aqui a saudade e a minha eterna gratidão a cada um de vocês”, comoveu-se o corregedor-geral.

Outra honraria conferida ao corregedor-geral no evento foi o ofício entregue pelo presidente da Câmara Municipal de Luziânia, Paulo César Cardoso Feitosa, para que o corregedor-geral receba o Título Honorífico de Cidadania Luzianiense no final deste ano, durante as comemorações pelo aniversário da cidade, em data e horários  a serem definidos posteriormente. “É uma grande honra homenagear aqueles que contribuíram tanto para o desenvolvimento e para o crescimento deste município. É com muita honra e contentamento que concederemos esse título ao desembargador Kisleu Dias Maciel Filho, que, embora não tenha nascido aqui, consideramos um filho legítimo da nossa cidade”, enalteceu. Por sua vez, o corregedor-geral agradeceu a homenagem e garantiu que estará presente à solenidade com toda a sua família. “Estou certo de que este momento ficará registrado na memória mais importante, a do coração, para sempre”, acentuou.

Trecho na íntegra da sentença proferida pelo juiz Kisleu Dias Maciel em 22 de março de 1963:

“A circunstância de haver menores interessados, por seu turno, não tem o condão de impedir a forma sumária escolhida para a divisão. E não tem porque, pois tais incapazes estão representados ou assistidos por sua mãe, em pleno exercício do pátrio poder. Sei que há Autores e julgados que esposam ponto de vista contrário. Mas não vejo nessa proibição nenhum benefício aos menores. Pelo contrário. Impedir que os menores ponham fim ao condomínio, sempre inconveniente, é antes prejudicá-los. Se a lei confere o direito de divisão a 'qualquer condômino', sem distinção, para livrá-lo das limitações e obstáculos do condomínio, não é jurídico nem justo que se negue este mesmo direito aos incapazes de transigir, desde que representados legalmente. Ninguém teria mais empenho e mais zelo pelo interêsse dos incapazes do que o seu próprio representante legal. Ademais, há a fiscalização do Ministério Público e do juiz que poderiam evitar qualquer prejuízo aos incapazes.

Homologo, por sentença, a presente divisão de uma gleba de terras na Fazenda 'Corumbá”, deste Município, para que produza seus jurídicos e legais efeitos e se cumpra tal como consta da planta de fls 18 e da inicial em seu item 4. P. R. e intimem-se.
Luziânia, 22 de março de 1963”. (Texto: Myrelle Motta – Diretora de comunicação da Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás/Fotos: Wagner Soares – Centro de Comunicação Social do TJGO)

 

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