A juíza Alessandra Gontijo do Amaral (na foto, de preto), diretora do Foro da comarca de Goiás, ressaltou, na abertura das atividades do Programa Acelerar - Núcleo Previdenciário do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), nesta quinta-feira (20), seu compromisso com a sensibilidade e humanização aliadas à promoção da Justiça e do bem comum. Com a previsão de realizar 230 audiências (200 em Goiás e 30 no povoado Recanto das Araras – distrito judiciário de Faina) nos dois dias de mutirão, o projeto, pela primeira vez, terá uma edição especial na noite de hoje para atender a maior comunidade com xeroderma pigmentoso (xp) do mundo (fenômeno genético, raro e sem cura, transmitido de pai para filho, e que deixa a pessoa hipersensível à luz, causa câncer, mutila e mata). O evento acontecerá a partir das 18h30, no Povoado Recantos das Araras, a 240 quilômetros de Goiânia.

Os trabalhos em Goiás estão sendo acompanhados pela coordenadora do Programa Acelerar, desembargadora Sandra Regina Teodoro Reis, e o coordenador do Núcleo Previdenciário, Reinaldo de Oliveira Dutra, ambos presentes no evento. “Temos que ser sensíveis a causas que fazem a diferença. Essa iniciativa da juíza Alessandra Gontijo, de mobilizar a equipe do programa, associações de classe, órgãos diversos, entre outros, para a realização desse mutirão com a comunidade de Araras é fenomenal e merece todo o nosso apoio.  Estamos certos de que essa ação modificará a realidade de muitas vidas e tem todo o nosso apoio”, enalteceu a desembargadora.

Em seu discurso, Alessandra Gontijo disse não ter dúvida de que o “arrebatamento”, em profundidade, dos magistrados que participam do esforço concentrado é a pulsão pela entrega da prestação jurisdicional. “O desafio de fazer justiça vai além da mera exortação do valor da justiça, do nobre compromisso de fazer o certo, da evocação de postulados éticos, da indignação com o mundo, do conhecimento do universo das leis, ainda que tudo isso continue a ser importante e salutar. Hoje, aqui, se busca o melhor resultado para as causas e cabe a nós magistrados promover o bem, a justiça, a vida”, acentuou. 

Ao fazer uma menção específica ao mutirão previdenciário que será promovido nesta noite, em Araras, com a população portadora de xeroderma pigmentoso, a magistrada explicou a gravidade da doença enfrentada pelos moradores locais e as inúmeras dificuldades que eles passam, tanto de ordem financeira quanto emocional, psicológica e física, uma vez que, com o acúmulo de danos no DNA e exposição à luz solar, surgem os tumores cancerígenas e os doentes desenvolvem câncer de pele, lesões oculares e problemas neurológicos.

“O xeroderma pigmentoso não faz distinção. São atingidos homens mulheres, adultos e crianças que têm de evitar as atividades externas durante o dia, utilizar proteção com uso de roupas especiais, potentes bloqueadores solares, óculos escuros específicos e chapéu. São vidas relegadas perenemente ao desconforto e ao isolamento extremo, a condições rudimentares de sobrevivência e reduzidíssima qualidade de vida”, enfatizou, ao lembrar, mais uma vez, que a comunidade é a maior do mundo com o índice dessa enfermidade.

Lembrando que o desafio dos magistrados se estenderá hoje ao turno noturno no atendimento aos doentes de Araras, Alessandra Gontijo conclamou os colegas a conhecerem de perto este pedaço do Estado que, segundo observou, é habitado por pessoas muito carentes, desconhecidas e raramente lembradas pelo Poder Público. “Quando o sol se puser, daremos continuidade aos nossos trabalhos no Povoado Recanto das Araras, onde prosseguiremos com a nossa missão mais nobre: a de fazer Justiça. Somos desafiados a sermos operadores do Direito, contudo, jamais podemos esquecer que a Justiça humaniza o Direito. Dessa jornada inédita, estou certa, nos tornaremos melhores, na oportunidade de promover a paz social, efetivar a justiça e nos tornarmos seres humanos mais 'humanos', elevados no amor ensinado por Deus”, frisou.

Atuam em Goiás e na edição especial do Acelerar Previdenciário de Araras os juízes Luciana Nascimento Silva, de Turvânia; Luciano Borges da Silva, de Santa Helena de Goiás; Marli de Fátima Naves, de Vianópolis; Reinaldo de Oliveira Dutra, de Acreúna; Rodrigo de Melo Brustolin, de Rio Verde; e Gabriela Maria de Oliveira Franco, de Caiapônia.  Também atuarão o promotor Edvar da Costa Muniz, de Goiás; e um perito do INSS.

Mal que atinge geração após geração

Pesquisa recente efetuada pela Universidade de São Paulo (USP) detectou na comunidade, após uma segunda coleta de sangue realizada recentemente, outros 169 portadores de XP. Anteriormente, numa primeira avaliação, em meados de 2010, foram comprovados 21 doentes, dos quais 2 parentes residiam nos Estados Unidos. Nas últimas cinco décadas, 20 pessoas naturais do vilarejo morreram corroídas pelo câncer. Mais de 60 perderam a vida com os mesmos sintomas, mas não receberam diagnóstico médico.

Por não haver registro de tamanha incidência dessa enfermidade em nenhuma outra parte do mundo, os doentes de Araras são objeto de estudo do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP, maior do País nesse segmento. Integra a equipe o maior conhecedor de xeroderma pigmentoso no Brasil, o biólogo Carlos Frederico Martins Menck, que estuda a doença desde 1976 e esteve no povoado para conversar e examinar pessoalmente os pacientes.

Cerca de 200 famílias residem em Araras. A maioria é formada por casamento entre parentes, principalmente primos. Foi justamente essa cultura que culminou na perpetuação e proliferação da doença na comunidade, já que é comum entre nascidos da união entre pessoas da mesma família. A estimativa de casos no mundo é de um em cada grupo de 200 mil pessoas, contudo, em Araras, mais de 20 histórias foram registradas em 2010 num só povoado, a maior média do mundo. Somente na Guatemala, País que fica na América Central, uma comunidade indígena apresenta índices semelhantes. No entanto, os habitantes da tribo não vivem mais que dez anos. Já os de Araras, conseguem chegar à fase adulta, mesmo com todas as sequelas provocadas pelo câncer ao longo do tempo.

Sobre a doença

O xeroderma pigmentoso é uma doença hereditária caracterizada pela deficiência na capacidade de reverter (ou consertar) determinados danos no DNA (material genético), em especial aqueles provocados pela luz ultravioleta, presente na radiação solar. Por ser uma doença recessiva, o xeroderma é comum entre nascidos de casamentos consanguíneos - em que o risco de duas pessoas terem o mesmo erro genético é maior. A doença afeta ambos os sexos e além do risco de câncer de pele ser aumentando em mil vezes, a incidência de cânceres internos, em 15 vezes. As lesões cutâneas estão presentes nos primeiros anos de vida, evoluindo de forma lenta e progressiva, e são diretamente relacionadas à exposição solar. Aos 18 meses, metade dos indivíduos afetados apresenta algum sinal algumas lesões nas áreas expostas ao sol; aos 4 anos cerca de 75%; e aos 15; 95%.  

Os indivíduos podem exibir ainda anormalidades neurológicas progressivas (observadas em cerca de 20% dos casos) e alterações nos olhos. Aproximadamente 80% deles apresentam alterações oftalmológicas que incluem fotofobia, conjuntivite, opacidade da córnea e desenvolvimento de tumores oculares. Cerca de 20% dos pacientes têm alterações neurológicas como microcefalia, ataxia (perda de coordenação dos movimentos musculares voluntários), surdez neurossensorial e retardo mental. Há também aumento do risco de outros tumores cerebrais, gástricos, pulmonares e leucemia. (Texto: Myrelle Motta/Fotos: Aline Caetano- Centro de Comunicação Social do TJGO)