O choro veio quando *Maria (nome fictício), de 48 anos, trocou as primeiras palavras na audiência com a juíza Sabrina Rampazzo de Oliveira, do Juizado de Violência Doméstica e Família contra a Mulher da comarca de Jataí. “A senhora me desculpe, mas não tenho cabeça para falar, estou muito nervosa. Não sei o que fazer”, disse ela, muito emocionada, à magistrada.

A audiência da *Maria é apenas uma dentre várias outras que foram realizadas pela juíza durante a Semana Justiça Pela Paz em Casa. Com cuidado, Sabrina Rampazzo conversa com a vítima e suspende a audiência para que a mulher seja atendida pela psicóloga do fórum. Foram cerca de 30 minutos de conversa com a psicóloga até que a vítima resolveu voltar para a audiência e levar o processo adiante. “Eu sei que é muito grave o que ele fez e eu vou continuar com isso. Eu quero mostrar para ele que estou amparada e que não estou sozinha”, desabafou Maria.

O drama que a mulher viveu por quatro anos ao lado do companheiro é contado com detalhes. “Ele já me ameaçou, bateu, enforcou, chutou e me deu tapa na cara. Às vezes ele batia com força na minha boca, e, por causa do aparelho, minha boca sangrava. Eu fiquei dois anos calada porque eu era apaixonada nele”, contou. *Maria conta que depois que ficou viúva não tinha se relacionado com ninguém, mas um dia começou a se envolver com o agressor. “Era tudo ótimo no começo. Ele fazia as coisas por mim, até que um dia meu filho morreu e ele aproveitou da ausência dele e minha fragilidade e começou a me agredir”, contou.

As agressões físicas e psicológicas vividas por ela deixam rastros que não são apagados. “Eu tremia só de imaginar que ele estaria aqui. Quando toca no nome dele meu equilíbrio emocional caí”, disse. Segundo ela, o ex-companheiro, além de controlador, violento e ameaçador, ainda lhe tirou da paz, a autonomia e a autoestima. “Por isso que eu falo, sempre às mulheres: vejam o histórico do homem que estão se envolvendo, se ele tem família. Ele era problemático, mas eu estava apaixonada. Às vezes eu me sinto culpada por ter perdoado tantas vezes”, desabafou, chorando mais uma vez.

A audiência


De volta à sala de audiências, *Maria está mais calma e pronta para iniciar a batalha na Justiça. Lenços de papel e uma jarra com água ficam próximos da vítima. Segundo a juíza Sabrina Rampazzo, a mulher passou por uma audiência preliminar, ou seja, é uma audiência em que o juiz ouve a vítima a respeito da vontade dela de representar ou não o acusado. “Mas isso só acontece quando o crime é de ação penal pública condicionada, no caso dela, esse agressor praticou duas ameaças. Como a ameaça é um crime de ação penal pública condicionada à apresentação da vítima na audiência, é para a gente ver se ela quer que ele seja processado, ou se ela quer arquivar”, explicou.

Neste caso, “percebi o estado emocional dela e suspendi a audiência para que ela falasse com a psicóloga. Isso acontece com frequência e é preciso muito cuidado nessas audiências, porque eu preciso da vítima ciente das consequências do processo e que ela esteja fortalecida”, explicou.

A juíza informou que o Ministério Público já ofereceu denúncia contra o agressor de *Maria pelos dois crimes e que ele já foi citado. “Agora ele terá de arrumar um advogado para se defender, se ele não tiver, nós nomeamos um e depois de ser oferecida a defesa, será marcada a audiência de instrução. Porém, teremos o cuidado de que ela venha, fique em uma sala longe dele e só quando a vítima for embora é que ele entrará para a audiência. Nem ela e nem a testemunha serão ouvidos na presença dele e até lá fora a gente tem o cuidado dela não ter contato visual com ele”, enfatizou.

Ciclo da violência
De acordo com a psicóloga Nayra Daniane Mendonça, a violência doméstica dá-se em uma escala gradual, que vai desde agressões verbais, provocações e discussões, até agressões físicas leves. Depois vai aumentando até chegar a uma agressão física grave. Isso é o que chamamos de clico da violência. E por ai vai, podendo cada vez mais se tornar mais violenta e, caso não seja interrompida, chega-se ao feminicídio, ou seja, o assassinato da mulher pelo agressor.

Ainda de acordo com a psicóloga, são trabalhadas com as vítimas que passam pelo fórum várias frentes e uma delas é o fortalecimento da mulher. Para ela, sofrimento é sofrimento e é preciso trabalhá-lo de forma separada em cada uma das vítimas. “O sofrimento da Maria é um, da Joana é outro e por aí vai. Aqui é um espaço para a gente acolher esse sofrimento e trabalhar o fortalecimento”, salientou. (Texto: Arianne Lopes / Fotos: Aline Caetano – Centro de Comunicação Social do TJGO)

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