O nome anunciado no microfone chamou a atenção de todos que aguardavam audiência. Os olhos se voltaram para ver quem era Barack Obama Freire Moraes. Levanta-se, então, uma criança de 6 anos, acompanhada da mãe. Eles seguiram um servidor do fórum de Goiás e se dirigiram para a audiência que seria realizada pela juíza e diretora do Foro local, Alessandra Gontijo do Amaral, durante o Programa Acelerar – Núcleo Previdenciário.

Alessandra Gontijo do Amaral (foto à direita) perguntou ao garoto se ele sabia quem era Barack Obama. “É o presidente dos Estados Unidos”, respondeu o menino. O motivo do nome era sabido, mas Barack não tinha ideia do que estava fazendo no fórum, tampouco a gravidade da doença que possui. Ele é portador de xeroderma pigmentoso que, segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia, é uma doença rara que provoca hipersensibilidade à luz, deixando as pessoas mil vezes mais sensíveis ao câncer de pele.

“Escolhi esse nome porque ele nasceu lá. Eu fui para os Estados Unidos de maneira ilegal para tentar uma vida melhor, mas meu pai ficou muito doente e voltei quando ele tinha dois anos. Quero voltar para lá, se Deus quiser”, justificou a mãe dele, Lílian Freire de Andrade.

A doença fez com que a criança conseguisse na Justiça o benefício assistencial destinado a pessoa com deficiência da Lei Orgânica de Assistência Social (Loas). O amparo foi pleiteado pela mãe – que também é portadora do xeroderma –, que foi beneficiada pelo último mutirão realizado na comunidade no dia 20 de agosto do ano passado.

Os dois moram em na pequena cidade de Matrinchã. “Tem um pouco mais de um ano que mudamos para lá. Eu quero o melhor para o meu filho e não quero que ele sofra preconceito como eu sofri”, disse, ao mostrar as sardas espalhadas pelo corpo e a pele ressecada.

Na criança a doença não é aparente e ainda não se manifestou. “Tenho o maior cuidado com ele e graças a Deus descobrimos ainda jovem, ficando mais fácil tratar”, enfatizou. De acordo com ela, o médico a orientou a evitar a exposição ao sol ou qualquer fonte de radiação ultravioleta. “Ele brinca no fim do dia, vai para a escola com guarda-sol e todos os dias passa filtro solar”, revelou.

Com o dinheiro que passará a receber, a mãe disse que comprará roupas adequadas, luvas, óculos de sol e protetor solar para o filho. “Eu passo filtro solar todos os dias. Minha mãe disse que o é o meu remédio e não posso ficar sem”, contou Barack Obama. Com 6 anos, o menino de nome famoso já faz planos. “Quando eu crescer vou ser jogador de futebol”. Segundo a mãe, o “treino” para a profissão já ocorre todos os dias, mas só dentro de casa. “Ela reclama porque ainda não entende, mas vai me agradecer daqui a alguns anos”, ressaltou.

Tédio

A descoberta da doença também trouxe tédio à jovem Muriely Santana Chaves, de 17 anos, que obteve o mesmo benefício. Ela foi diagnosticada com a doença em março do ano passado e, desde então, sua vida mudou. “Minha rotina é diferente das pessoas da minha idade e eu tenho de fazer caminhada, ir ao supermercado à noite e até o horário da minha escola eu alterei por causa do sol”, contou.

Três gerações da família de Muriely têm a doença. “Meu avô, minha mãe e agora eu”, disse. Ela tem consciência das consequências que o xeroderma pode causar. “Sei que não tem cura e por isso tenho muito medo de, quando eu ficar mais velha, ter parte do meu corpo mutilado”, desabafou.

Além disso, há o preconceito. “Só de saberem que eu moro no povoado de Araras, as pessoas me olham diferente e eu não falo para ninguém que sou portadora”, frisou.

A mãe afirmou que também orienta a filha sobre os cuidados e riscos. “O sol é nosso inimigo. Se a gente puder correr dele é a melhor coisa a se fazer”, disse. Segundo Divani Gonçalves Santos Chaves (mãe da garota), quando ficou sabendo que estava grávida ficou com receio da filha sofrer preconceito igual a ela e seus parentes. “Meu pai dizia que as pessoas achavam que a doença é de transmissão sexual, uma DST, e isolavam quem tinha. Minha família sofreu muito porque na época não havia informação”, pontou.

Apesar da doença que carregará pela vida afora, a jovem já sabe o que quer fazer daqui para frente. Ela quer estudar em Goiânia e prestar vestibular para medicina veterinária. “Eu gosto muito de animais. Eles são puros e nunca me recusarão se eu tiver qualquer problema”, salientou.

Preconceito
O preconceito nunca foi problema para Elcimar Freire de Andrade, de 44 anos. Também portador da doença, ele conseguiu no fórum a sua aposentadoria por invalidez. Há quatro anos descobriu a doença e, desde então, a sua única preocupação foi com os filhos. Ele é casado e tem dois, um adolescente de 14 anos e uma menina de 10. Os filhos fizeram o exame há pouco tempo e aguardam o resultado, que deve sair no final do mês. “Mas Deus vai abençoar que eles não terão o xeroderma”, apostou.

Judiciário próximo
Para a diretora do Foro, juíza Alessandra Amaral, apesar do esforço que foi feito para a Justiça atender os portadores de xeroderma pigmentoso, ela ainda se preocupa em levar mais benefícios aos portadores da doença, por isso até o fim do ano uma segunda edição do Acelerar Previdenciário será marcada na comunidade. “Eles precisam muito. Somente neste mutirão, tivemos três pedidos analisados. Eu fiquei muito condoída e, obviamente, dentro das minhas limitações eu tento ajudar as pessoas que vivem na comunidade com essa doença gravíssima, levando até eles o que têm direito”, destacou.

Segundo ela, o Judiciário estadual abraçou também essa causa e, devido a isso, vários outros benefícios chegaram à comunidade. “Pesquisadores franceses vieram e a gente percebe que, em função do bom resultado que tivemos, novas ações estão sendo ingressadas e mais benefícios serão analisados. Os olhos do Estado e da sociedade se voltaram para essas pessoas que estavam esquecidas. Esse povo merece essa resposta porque se sentia desvalorizado”, salientou, ao reiterar que sua intenção é levar o Judiciário até eles respeitando sua condição.

A iniciativa da magistrada e da equipe do Programa Acelerar – Núcleo Previdenciário foi elogiada pela advogada Keila Jacob de Assis Adorno Godinho. Segundo ela, o TJGO está de parabéns pela atenção que dá aos necessitados. “E esse caso do xeroderma é o exemplo disso. Desde que o Poder Judiciário goiano passou a olhar para eles, vários benefícios foram conquistados, como a chegada de pesquisadores, geneticistas, psicólogos e mesmo entidades estrangeiras, que se interessaram pelo fato e estão desenvolvendo ações pontuais”, frisou.

Ela contou que atua na causa desde 2012 e nunca viu nada igual. “A gente tinha até desistido porque as ações estavam sendo contrárias, mas aí o Poder Judiciário se sensibilizou com a causa e eles passaram a acreditar na vida de novo”, contou. Segundo ela, vários portadores da doença a procuram pedindo orientação. “Isso que está sendo feito está abrindo as portas para um povo que estava desacreditado”, falou. (Texto: Arianne Lopes/Fotos: Wagner Soares – Centro de Comunicação Social do TJGO)

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