A pequena Janice, de 6 anos, guarda com tristeza as recordações do pai que a abandonou ainda bebê. Referindo-se à mãe como “mamãe maravilha”, tem um olhar infantil, mas muito atento e inteligente do contexto que vive desde que o pai foi embora. “Sinto falta do papai, mas eu e a minha mãe estamos construindo o nosso mundo e a gente quer que ele seja melhor”. O estímulo e o carinho dados pela mãe tem ajudado a pequena menina no seu desenvolvimento e na superação do trauma. Infelizmente, essa não é a realidade de milhares de crianças no País que vivem situações degradantes de maus tratos e abandono.

Justamente de olho e sensível a essa fase da vida, denominada primeira infância, que abrange dos 0 aos 6 anos, e é cientificamente compreendida como a maior janela de oportunidades para o desenvolvimento integral de um ser humano e a base para a formação de sua personalidade, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Goiás, em parceria com a Escola Judicial de Goiás (Ejug), promove desde 27 de setembro o Curso Marco Legal da Primeira Infância em Goiás.

A finalidade do curso é justamente capacitar profissionais responsáveis pela proteção, promoção e garantia dos direitos das crianças, especialmente na faixa etária de até seis anos de idade, disponibilizando conhecimentos normativos, científicos e técnicos em prol da implementação do Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016), que preconiza a atuação integrada para a garantia do direito ao desenvolvimento integral das crianças na primeira infância.

“As experiências experimentadas nesse período formam memórias que nos acompanham pela vida e, por esse motivo, as crianças precisam contar as melhores condições possíveis para desenvolver todo o seu potencial, entre as quais se destacam o afeto e todos os direitos estabelecidos em lei”, ressaltou a assistente social Maria Nilva Fernandes, que está à frente da Divisão Interprofissional Forense da Corregedoria.

Priorização da primeira infância

Para o juiz Gustavo Assis Garcia, auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça de Goiás e responsável pela pasta da Infância e Juventude, o curso é de suma importância para a qualificação desses profissionais e para auxiliar na garantia de direitos básicos em atenção à importância dos primeiros anos de vida na vida de uma pessoa.

“O chamado Marco Legal da Primeira Infância instituído pela Lei 13.257/2016 estabelece princípios e diretrizes para a formulação e implementação de políticas públicas voltadas para a primeira infância em decorrência da importância desse primeiros anos de vida na formação de um ser humano. Com o curso, realizado pela CJGO, são capacitados profissionais que visam assegurar os direitos das crianças como s sociais, conselheiros tutelares pedagogos, psicólogos e outros profissionais de equipes interdisciplinares da de Goiânia e da Região Metropolitana que participam da ação. Disponibilizamos a eles conhecimento para a implementação do Marco Legal com atuação integrada visando o pleno desenvolvimento das crianças na primeira infância”, enfatizou.  

Estatísticas sobre a primeira infância

O Center on the Developing Child da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos,   selecionou alguns números e dados que remetem ao desenvolvimento de crianças na primeira infância. Segundo o instituto de pesquisa, os primeiros anos importam porque, ao longo deles, 700 novas conexões neurais são formadas a cada segundo (conexões neurais são formadas por meio da interação de genes com o meio ambiente e as experiências de um bebê, especialmente a interação com os adultos de “dar e receber”, ou o que os pesquisadores chamam de desenvolvimento de reciprocidade contingente).

Por outro lado, os dados relevam que as primeiras experiências e os ambientes em que as crianças se desenvolvem em seus primeiros anos podem ter um impacto duradouro sobre o sucesso posterior na escola e na vida. As adversidades significativas, de acordo com o estudo, prejudicam o desenvolvimento nos três primeiros anos de vida, pois quanto mais dificuldades uma criança enfrenta, maiores as chances de um atraso de desenvolvimento.

Primeiras experiências

Um outro aspecto interessante demonstrado pelo Center on the Developing Child é o fato de que as primeiras experiências de fato “entram no corpo”, com efeitos ao longo da vida – não apenas no desenvolvimento cognitivo e emocional, mas na saúde física a longo prazo também. Um crescente número de evidências liga agora adversidades significativas na infância ao aumento do risco de uma série de problemas de saúde do adulto, incluindo diabetes, hipertensão, acidente vascular cerebral, obesidade e até algumas formas de câncer.

Outro ponto levantado é proporcionar às crianças um ambiente saudável no qual aprender e crescer não só é bom para o seu desenvolvimento, já que os programas de alta qualidade para a primeira infância tem trazido retornos impressionantes sobre o investimento. Três dos estudos de longo prazo mais rigorosos encontraram uma série de retornos entre U$ 4 e U$ 9 para cada dólar investido em programas de aprendizagem precoce de crianças de baixa renda. Os participantes do programa seguiram até a idade adulta beneficiados de ganhos aumentados como retornos na forma de redução de educação especial e dos custos relacionados ao crime, e, mais tarde, um aumento de bem-estar e das receitas fiscais dos participantes do programa.

Momento reflexivo
 
Na opinião da psicóloga Ivânia Ghesti, doutora em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília, que é a palestrante principal do curso, a capacitação reflete o modo como se compreende, se escuta e se cuida de uma criança e destaca a importância das políticas públicas voltadas para garantir-lhes direitos fundamentais como saúde, educação, assistência social, segurança, dentre outros.

Em uma avaliação mais ampla da Lei 13.257/2016, que dispõe sobre o Marco Legal da Primeira Infância, a especialista discorreu sobre as mudanças ocorridas desde a sua promulgação, sua aplicabilidade e os desafios para superar os entraves ainda existentes.

“O Marco Legal da Primeira Infância é estratégico, pois possibilita construir um destino mais justo a partir da promoção de competências para convivência pacífica, aprendizagem, trabalho e consequente ruptura do ciclo de pobreza e desigualdade social, no momento mais oportuno do desenvolvimento humano”, frisou.  

Sobre as trilhas de aprendizagem

Composto por trilhas de aprendizagem, curso Marco Legal da Primeira Infância tem como público alvo assistentes sociais, conselheiros tutelares, educadores, enfermeiros, médicos, pedagogos, psicólogos e outros profissionais de equipes multiprofissionais do Sistema de Garantia de Direitos, que compõe as redes socioassistencial, de saúde, de educação, de direitos humanos e de segurança pública de Goiânia e Região Metropolitana.

Na trilha 1 (Marco Legal da Primeira Infância, Ciências e Políticas Públicas), o participante terá acesso às principais noções para implementação da Lei 13.257/2016, aprendendo inovações no campo dos direitos da infância, fundamentos científicos do desenvolvimento infantil, incluindo conceitos de neurociências, dados sociodemográficos, áreas prioritárias para atuação, intersetorialidade, importância da parentalidade e do investimento, significado da licença parental, fundos da infância e da adolescência, interseccionalidades das infâncias e as principais políticas nacionais para promoção do desenvolvimento humano na primeira infância. Para a certificação é preciso cumprir 45 horas/aula.

Na trilha 2 (Sistema de Justiça e Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente), o participante aprende sobre noções acerca da atuação do Sistema de Justiça e do Sistema de Garantia de Direitos, diante do Marco Legal da Primeira Infância, considerando o acesso à Justiça nessa fase da vida, a escuta das crianças, os desafios e perspectivas do trabalho em rede, a importância do planejamento estratégico e as ações desenvolvidas a partir do Pacto Nacional pela Primeira Infância. Possui 15 horas/aula para completar as 60 horas necessárias para emissão dos certificados.

Um pouco mais sobre o Marco Legal da Primeira Infância

Direito de brincar, de ser cuidado pela família com apoio de profissionais qualificados em primeira infância, de ser prioridade nas políticas públicas, entre outros. Essas são algumas das linhas que tecem o Marco Legal da Primeira Infância, uma lei costurada a muitas mãos durante dois anos e sancionada no dia 8 de março de 2016.  
 
Uma vitória que fecha lacunas entre o que diz a ciência e o que estava na legislação anterior, por meio da criação de programas, iniciativas e serviços voltados à promoção do desenvolvimento integral das crianças desde o nascimento até os seis anos de idade, considerando sua família e seu contexto comunitário.

Entre os pontos principais estabelecidos no Marco Legal da Primeira Infância estão    garantir às crianças o direito de brincar, priorizar a qualificação dos profissionais sobre as especificidades da primeira infância, reforçar a importância do atendimento domiciliar para apoio às famílias, especialmente sob condições de vulnerabilidade, ampliar a licença-paternidade para 20 dias nas empresas que aderirem ao programa Empresa Cidadã, envolver as crianças de até seis anos na formatação de políticas públicas, instituir direitos e responsabilidades iguais entre mães, pais e responsáveis, e prevenir o preconceito contra mães que optam por entregar seus filhos à adoção e garantir prisão domiciliar para gestantes e mães com medida de prisão preventiva.
 
Para fomentar a implementação do Marco Legal da Primeira Infância, o CNJ edificou o Pacto Nacional pela Primeira Infância, com base no projeto Justiça começa na Infância: Fortalecendo a atuação do Sistema de Justiça na promoção de direitos para o desenvolvimento humano integral, do qual faz parte o curso que foi adaptado pelo TJGO para capacitação da rede de proteção de Goiás. A matéria divulgada hoje encerra o ciclo de edições especiais elaboradas pela assessoria de comunicação da Corregedoria para o mês de outubro, conhecido como o 'Mês da Crianças".  (Texto: Myrelle Motta - Diretora de Comunicação Social da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Goiás/Edição de imagem: Acaray Martins - Centro de Comunicação Social do TJGO)

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