Em uma das regiões mais distantes do País, território da histórica Comunidade Kalunga, a comarca de Cavalcante, foi contemplada neste mês com o Programa Escuta, executado pela Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Goiás, por meio da Divisão Interprofissional Forense, com o intuito de prevenir crimes sexuais contra crianças e adolescentes e fortalecer a Rede de Proteção local no enfrentamento desse tipo de violência. 

A ação do Escuta, que ocorreu na fase preparatória do Projeto Justiça Itinerante do TJGO, alcançou, em apenas quatro dias, quase 1,8 mil crianças (de 0 a 5 anos) das escolas municipais (pré-escola e fundamental I), pré-adolescentes e adolescentes (de 11 a 17 anos) das escolas estaduais (fundamental II e ensino médio), em uma comarca assombrada por um dado alarmante: o maior índice de estupro de vulnerável do Estado, com taxa de 3,7 casos por mil habitantes, segundo o Registro de Atendimento Integrado (RAI). 

Estiveram envolvidos nessa iniciativa 44 profissionais da Rede de Proteção do Município de Cavalcante, incluindo CRAS, CAPS, Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), Conselho Tutelar, Associação Profuturo, Prefeitura Municipal, Secretaria de Educação, Secretaria de Saúde, Secretaria de Assistência Social, Ministério Público e Judiciário.

“Constatamos que durante as palestras e reuniões do Projeto Escuta em Cavalcante que essa questão da violência sexual contra crianças e adolescentes, que infelizmente tem crescido no Brasil, é muito sensível e alarmante no nosso município, pois tivemos muitas denúncias relatadas. Mais do que reprimir esses casos, precisamos evitar que eles aconteçam”, evidenciou o juiz Leonardo de Souza Santos, diretor do Foro de Cavalcante. ao apontar, uma vez mais, a importância do Escuta nas comarcas de Goiás.

Na oportunidade, foram entregues ainda 11 laudos sociais previdenciários, inclusos no Projeto Justiça Itinerante.

Palestras e vídeos educativos

Considerando a diversidade do público, foram realizadas pela equipe interprofissional palestras e exposição de vídeos educativos com linguagem adequada à idade, assim como a distribuição de flyers, todos com foco na identificação de situações de abuso sexual, formas de prevenção, defesa e proteção, bem como formas de denúncia.

“As avaliações verbalizadas e a reação dos participantes em relação ao workshop apontaram que a ação foi exitosa, permitindo reflexões, troca de experiências e apreensão de novos conhecimentos relacionados ao tema”, analisou a assistente social Maria Nilva Fernandes, diretora da Divisão Interprofissional Forense da CGJGO, que esteve à frente da ação.

Em 11 de abril, no período matutino, as instrutoras Maria Nilva Fernandes Moreira e Ana Paula Osório Xavier ministraram o Workshop Crimes Sexuais contra crianças e adolescentes: formas adequadas de abordagem, no Auditório do Polo UAB da Universidade Federal de Goiás, voltado aos profissionais integrantes da Rede de Educação e Proteção do Município de Cavalcante.

O temas abordados foram o contexto da violência sexual contra crianças e adolescentes, sinais e sintomas da violência sexual, condução de entrevistas e formas adequadas de abordagem, falsas memórias, a escola interrompendo o ciclo de violência sexual, notificação compulsória, medidas protetivas no caso de suspeita de violência sexual, Responsabilidade social, violência institucional (lei 14.431/2022) e aspectos da Lei Henry Borel (Lei 14.344/2022) e Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016).



Experiências de violência sexual

“Quem aqui já vivenciou uma situação de violência sexual ou conhece uma vítima desse ato?”, esse questionamento feito por uma integrante da Equipe Interprofissional Forense durante a atuação do Programa Escuta, em uma das escolas estaduais da comarca de Cavalcante, teve resposta imediata de um dos ouvintes: “Quase todos que moram nessa região”. *Mário, que vivenciou um abuso sexual na fase da pré-adolescência e recentemente conseguiu afastar um pedófilo da filha de 12 anos ao perceber suas reais intenções, está entre as pessoas que receberam orientações dos membros do Escuta sobre as formas diversificadas de combater a violência contra crianças e adolescentes.

Com relação à violência sexual contra crianças e adolescentes, a equipe identificou ainda as seguintes situações: após realização do workshop, no dia 11 de abril, foram registradas 2 notificações de violência sexual junto ao Ministério Público, efetuadas por profissionais da rede e também constatou--se uma criança grávida de 11 anos, na escola da zona rural, no momento das ações de orientações nas escolas.

Lei Henry Borel: ferramenta importante no combate a crimes relacionados a violência infanto-juvenil

Para tentar interromper esse ciclo de violência infanto-juvenil e combatê-la de forma ainda mais eficaz, a equipe da Divisão Interprofissional Forense da CGJGO, percorrendo escolas municipais e estaduais longínquas, algumas localizadas na zona rural, cujo acesso é muito difícil e feito por caminhos de terra batida, aplicou uma abordagem nova no decorrer das exposições a fim de que os envolvidos na Rede de Proteção possam ter maiores subsídios no combate a esses crimes: os aspectos da recente Lei Henry Borel, de 24 de maio de 2022.

A lei, elaborada em homenagem ao menino Henry Borel, que, aos 4 anos, foi espancado até a morte pelo padastro com a conivência da mãe, cria mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente e estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência.

Itapuranga

Em março, as instrutoras Maria Nilva Fernandes Moreira e Tatiana Freire Franco ministraram na comarca de Itapuranga o Workshop Crimes Sexuais contra crianças e adolescentes: formas adequadas de abordagem, no Tribunal do Júri do Fórum local. Foram realizadas também ações educativas com crianças de 6 a 12 anos, através de palestra com linguagem adequada à idade,exposição de vídeos educativos e distribuição de flyers, com foco na identificação de abuso sexual, formas de prevenção, defesa e proteção.

Foram contempladas 610 crianças e pré-adolescentes, divididas em 6 turmas diferentes, de Escolas da Rede Municipal e Estadual de ensino. A ação contou com a presença de conselheiros tutelares do município, que, ao final das palestras, acolheram e receberam 02 denúncias de abuso sexual e 1 de violência física, ocorridas no ambiente familiar.

Participaram do workshop 60 profissionais da Rede de Proteção do Município de Itapuranga, incluindo CRAS, CREAS, CMDCA, Conselho Tutelar, Agentes de Proteção, Prefeitura Municipal, Secretaria de Educação, Secretaria de Saúde, Secretaria de Assistência Social, CEAM - Centro Especializado de Atendimento à Mulher, Ministério Público, Delegacia de Polícia, Polícia Civil.

A abertura do evento contou com a presença do juiz Vitor França Dias Oliveira, de Itapuranga, e da juíza Erika Barbosa Gomes Cavalcante, diretora do Foro local, além de outras autoridades. Ao avaliar o Projeto Escuta, o juiz Vítor França fez questão de pontuar que já o conhecia desde 2019 e que o considera primordial na luta contra a violência sexual de crianças e adolescentes.

O magistrado mencionou dados do Anuário Brasileiro da Segurança Pública de 2022, que mostra que cerca de 80% dos casos registrados de abuso sexual infantil envolve crimes praticados por pessoas conhecidas das vítimas.

“Isso significa que muitas vezes a violência está dentro de casa ou próxima. Por essa razão, é importante repassarmos às nossas crianças algumas noções elementares, como, por exemplo, o que são partes íntimas, quais gestos são considerados inaceitáveis e a quem recorrer em caso de abuso. Informações básicas que muitas vezes não são ensinadas dentro de casa. Nesse contexto, acho o Projeto Escuta da Corregedoria incrível e agradeço ao órgão censor, em nome do desembargador Leandro Crispim e da servidora Maria Nilva”, enalteceu.

O início

Os trabalhos do Programa Escuta tiveram início em meados de 2015 justamente na Comarca de Cavalcante após inúmeras denúncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes nas comunidades remanescentes de quilombolas. Sua principal finalidade é desenvolver um conjunto de ações integradas voltadas à prevenção, proteção e apoio a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.

Na atual gestão da CGJGO, que tem à frente o desembargador Leandro Crispim desde fevereiro de 2023, mais de 2,3 mil crianças e adolescentes foram atendidos pelo Programa Escuta nas comarcas de Cavalcante e Itapuranga. (Texto: Myrelle Motta Diretora de Comunicação Social da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Goiás/Fotos: Wagner Soares - Centro de Comunicação Social do TJGO) Veja galeria de fotos

 

  •    

    Ouvir notícia: