Hoje foi dia de visita na Unidade Prisional de Serranópolis. Mas, diferentemente do que ocorre normalmente, esta sexta-feira (16) foi especial. Idealizado pelo juiz titular da comarca, Fernando Augusto Chacha de Rezende, o projeto Amparando Filhos humanizou o encontro entre mães presas e seus filhos.

Para entrar no local, os adultos não precisaram tirar a roupa e os bebês não ficaram sem fraldas, para garantir que nada ilegal seja entregue às reeducandas. No local do encontro, não havia celas e os agentes prisionais se mantiveram à distância, tudo isso para que ambiente se tornasse o mínimo parecido possível com um presídio.

Do lado de fora, o movimento dos carros, a praça da cidade e algumas poucas pessoas passando pela rua. Do lado de dentro, as histórias têm quase sempre o mesmo enredo. São mães que foram presas por conta do tráfico de drogas. A maioria se arrepende do que fez, outras negam o crime.

Segundo dados da Superintendência Executiva de Administração Penitenciária de Goiás (Seap), no Estado existem cerca de 713 mulheres presas, das quais 513 são mães. Assim, estima-se que em torno 1,5 mil crianças e adolescentes são filhos de presidiárias. No Brasil, o número aumenta para 120 mil. O Departamento Penitenciário Brasileiro (Depen) traçou um perfil das mulheres encarceradas. “Basicamente são mulheres não brancas, mães, tem entre 20 e 34 anos de idade, baixa escolaridade, e, na maioria dos casos, presas por tráfico de drogas”, apontou.

Serranópolis não foge à regra, a cidade que tem pouco mais de 8 mil habitantes e conta com uma unidade prisional. No local, vivem 61 presos, entre os quais 6 mulheres. Gabriela (nome fictício), de 27 anos, é mãe da pequena I., de 1 ano e 8 meses. Mãe e filha têm muito pouco tempo de convivência. Gabriela foi detida pela polícia e acusada de tráfico de drogas. Presa junto com o pai da criança, foi na cadeia que ela descobriu estar grávida novamente.

Com oito meses de gravidez, ela conta que a menina está sendo cuidada pela sogra. “É triste para qualquer mãe estar longe de um filho. Porém, fico tranquila, pois sei que ela está sendo bem cuidada e agora posso contar com a ajuda desse projeto. A sensação é que não estou sozinha. Isso me dá forças para sair daqui com a cabeça erguida e pensar no futuro dos meus dois filhos”, frisou.

As visitas humanizadas são apenas um dos aspectos desse projeto, inédito no Judiciário Nacional e que promove o acompanhamento integral dos filhos de reeducandas. Uma equipe multidisciplinar visita a casa dessas crianças e ou adolescentes. Depois, é estabelecido um plano de atendimento e, casos seja necessário, são estabelecidas medidas específicas de proteção estipuladas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em seguida, é oferecido amparo pedagógico, psicológico, afetivo e financeiro, por meio de apadrinhamento pela sociedade civil organizada, para que o menor continue seu sadio e pleno desenvolvimento físico, mental, social e moral. Por último, o programa vai cuidar para que a criança solidifique sua participação na sociedade civil organizada.

Citada pelo magistrado no projeto, a psicóloga Cláudia Stella, da Universidade Mackenzie de São Paulo, considera que a prisão das mães provoca efeitos negativos sobre as crianças, resultado da mudança de seu cuidador primário, da perda de apoio emocional e, muitas vezes, financeiro. “Por isso, a separação de mãe e filho pela prisão não pode ser tratada como outra separação (morte, divórcio) pois possui características específicas, quais sejam, a mudança do papel social da mãe e a influência do significado social da instituição prisional”, explicou a psicóloga em sua obra, intitulada Filhos de Mulheres Presas.

Saudade
Essa é a realidade de G., de 31 anos, e mãe de um casal. A menina, de 6 anos, e o menino, de 5, ainda não tinham visto a mãe depois de sua prisão por tráfico. “Eles vieram a Serranópolis só uma vez depois que fui presa, mas não chegaram a entrar no presídio. Eu não deixei. E muito constrangedor fazê-los passar por isso. Mas, agora, eles poderão vir a cada 15 dias me visitar”, contou. Separados depois da prisão da mãe, o menino mora com o pai e a menina, com a avó materna. “Hoje é dia de matar a saudade, renovar as forças. Me alivia saber que em breve vamos estar juntos de novo."

Apesar de o projeto ser destinado aos filhos das presas, durante a visita que mudou a rotina dessas pessoas, estava Maria (nome fictício). A filha dela, G., de 33 anos, está presa por tráfico há seis meses e ainda não havia recebido visitas semanais da mãe. A reeducanda garante que essa é última vez que será presa. A ficha criminal é extensa, já foi presa por assalto e receptação. "Apesar da dor que sinto, venho mesmo assim. Fui eu que a criei e eduquei. Tenho de continuar orientando, pois ainda é jovem. Esse é o meu papel de mãe", afirmou Maria. Calada e tímida, G. agradeceu o cuidado da mãe com um olhar de cumplicidade.

Em Serranópolis, na maioria dos casos, são as mães que visitam as filhas. Entretanto, isso não e o que acontece com A., de 22 anos; R., de 15; e M., de 11. Eles têm sofrido com a situação da mãe, M., de 39, que foi presa como marido por tráfico de drogas. "Como filha, tenho de apoiar a minha mãe. Não é fácil fazer o papel de mãe e pai para os irmãos. Fico muito triste de vê-la em um lugar como esse, envolvida com coisa que não presta", contou.

Ela disse ainda que tem mais dois irmãos, um de 12 e outro de 4 anos. “Para o mais novo, eu digo que ela foi comprar presente. Ele espera por ela todos os dias. Isso acabou com a nossa família. Meu irmão emagreceu 12 quilos e desde que ela foi presa ele não come, não fala com ninguém. Mudou o comportamento. Está vendo, toda visita ela dá crise de choro”, disse, apontando para a irmã de 11 anos que começou a chorar e não desgrudou da mãe.

 

Presas são 'abandonadas no cárcere' pela família, diz diretor de presídio
De acordo com Herbert Alves Ribeiro, diretor da unidade prisional de Serranópolis, de modo geral, as presas costumam ser "abandonadas" no cárcere. "As mulheres, sejam elas na condição de esposas, mães ou irmãs, visitam os homens, mas não fazem o mesmo quando uma mulher da família está presa. Algumas são desamparadas e o projeto veio para dar esse amparo", comparou. A situação piora quando a presa é de outra cidade, como é o caso de Z., de 28 anos. Por causa da distância, da falta de condições financeiras, disponibilidade, ela está há mais de dois anos sem ver os três filhos e a família.

Segundo Herbert Ribeiro, 90% dos delitos cometidos pelas presas de Serranópolis estão relacionados ao tráfico de drogas, que é equiparado a crime hediondo e possui penas que variam de 5 a 15 anos de reclusão. “Aqui é rota do tráfico de drogas. As nossas presas não são da cidade de Serranópolis, mas da região. O município de Chapadão do Céu, distrito judiciário da comarca, faz divisa com o Estado de Mato Grosso do Sul”, informou.

Solenidade marca lançamento de projetos

Foram lançados, oficialmente, nesta sexta-feira (16), na comarca de Serranópolis, o Projeto Amparando Filhos e o Programa Justiça Educacional – Cidadania e Justiça Também se aprendem na Escola. O evento ocorreu na Câmara Municipal e contou com a presença do desembargador Luiz Eduardo de Sousa, que representou o presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), desembargador Leobino Valente Chaves.

A comarca é a primeira do ano a ser beneficiada com o Justiça Educacional e receberá pela primeira vez a ação. Cerca de 615 alunos dos 5° e 6° anos do ensino fundamental de Serranópolis vão aprender na prática sobre o funcionamento do Poder Judiciário. Em horários alternativos ao das aulas em sala, os estudantes vão discutir a importância de cumprirem seus deveres. Participarão do Justiça Educacional, seis escolas municipal e estaduais de Serranópolis e Chapadão do Céu, distrito judiciário da comarca.

Designado para a presidência da comissão do Programa Justiça Educacional, o desembargador Luiz Eduardo de Sousa, que também é ouvidor-geral do Poder Judiciário do Estado de Goiás e presidente do Comitê de Plano de Logística Sustentável (PLS), frisou que a iniciativa levará os alunos a uma reflexão sobre deveres e direitos dos cidadãos. “Podemos dizer que o cidadão consciente de seus direitos tem a possibilidade de participar ativamente. Queremos uma sociedade mais livre, ética e mais cidadã”, ressaltou.

“O conhecimento que os alunos adquirem com o programa faz com que o comprometimento do cidadão com o País aumente e proporcione, dentro das escolas, discussões importantíssimas. É um programa acessível e próximo da sociedade”, frisou o juiz Fernando Chacha, que também é coordenador executivo do Justiça Educacional. Segundo ele, cidadãos conscientes respeitam mais as leis e comportam-se de maneira mais responsável e solidária.

O juiz salientou que investir na formação de cidadãos é essencial para o desempenho de seu papel social. "Precisamos formar cidadãos com mentes inquietas. Façam valer as lições aprendidas. O Judiciário a partir de hoje é a casa de vocês. Sejam bem-vindos", finalizou.

Marcaram presença na solenidade o juiz auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Goiás (CGJGO), Ronnie Paes Sandre; diretor do Foro da comarca de Jataí, juiz Sérgio Brito Teixeira e Silva; o promotor de justiça em substituição da comarca de Serranópolis, Paulo de Tharso Brondi de Paula Rodrigues; procuradora chefe da Procuradoria Regional de Rio Verde, Bruna Rodrigues; prefeito de Serranópolis, Sidinei Pinheiro; vice-prefeito de Chapadão do Céu, Marcos Antônio Navarini; presidente da Câmara Municipal de Serranópolis, Antônio Pereira da Silva; presidente da OAB-GO, subseção Jataí, Simone Oliveira Gomes; servidores do TJGO e da CGJGO; entre outras autoridades estaduais e municipais. (Texto: Arianne Lopes / Fotos: Aline Caetano - Centro de Comunicação Social do TJGO)

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