Moradores do Setor Nova Esperança, localizado em Jataí, foram declarados como os devidos proprietários, por usucapião, dos imóveis em que residem naquela localidade. A decisão é do juiz Thiago Soares Castelliano Lucena de Castro, da 2ª Vara Cível, Fazendas Públicas, Meio Ambiente e Registros Públicos da comarca de Jataí.

A Associação dos Moradores do Setor Nova Esperança, parte autora no processo, contou que o bairro se originou por meio de ocupação urbana espontânea de cerca de 268 famílias no ano de 2005, decorrente da ausência de políticas públicas e de moradias adequadas à população pobre do município de Jataí.

O juiz afirmou estar presentes os requisitos que se configuram a usucapião especial coletiva de imóvel urbano, por se tratar de um núcleo urbano informal, para fins de moradia, com possuidores há mais de 05 anos e que ocupam imóveis de tamanho inferior a 205m2. O Juiz afirmou que: “Reconhecendo-se a usucapião especial coletiva, deve ser atribuída fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, o que será feito abaixo, embora seja possível a modificação para considerar o status quo de cada grupo familiar. Este condomínio, cuja formação se dá com a procedência da demanda, é indivisível e, a rigor, não é possível sua extinção, salvo deliberação por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio”, afirmou, ao citar a Lei 10.257/2001.

Thiago Castelliano considerou ainda pra fins de atribuição da área para cada possuidor, o levantamento realizado pela Prefeitura de Jataí em 2018, onde foram identificadas 350 pessoas. “Sendo assim, considerando a área de 66.459,16m² divida pelo total de 350 possuidores tem-se a área individualizada de 189,88 m2, o que poderá ser alterada, no futuro, por deliberação”, ressaltou.

De acordo com o magistrado, houve a identificação da área usucapida - um antigo frigorífico abandonado pelos proprietários - enquanto núcleo urbano informal, por meio de inspeção judicial, onde o próprio juiz esteve 'in loco', acompanhado do promotor de Justiça, da advogada do réu e de técnicos da Prefeitura de Jataí. “Nessa inspeção, percorremos quase toda a extensão do núcleo informal (...). Constatamos que os ocupantes da área ali se organizaram como bairro, de maneira precária, denominado como Setor Nova Esperança com construções quase que exclusivamente de moradias, algumas ruas com asfalto e a maioria de terra”, salientou. Ainda de acordo com ele, o réu reconhece a existência do núcleo urbano informal, porque sequer fez qualquer referência contrária na inspeção judicial diante das dezenas de moradias encontradas”, pontuou.

Thiago Castelliano destacou que, mesmo quanto a usucapião especial de imóvel urbano, onde a lei exigiu expressamente a utilização do imóvel a ser usucapido como moradia do ocupante ou de sua família (artigo 9º, da Lei 10.257/2001), o que não ocorreu na usucapião especial coletiva, a jurisprudência já admitia o uso misto da área a ser adquirida por meio de usucapião especial urbana para fim comercial e para moradia. “Firmou-se entendimento no sentido de que não impede o reconhecimento judicial se a porção utilizada comercialmente fosse destinada à obtenção do sustento do usucapiente e de sua família”, frisou.

A usucapião, conforme salienta o juiz na decisão, é formada para junção de dois fatores: o fator operante, qual seja, o lapso temporal necessário para a aquisição da propriedade; e o fator determinante, qual seja, a inércia do proprietário registral. No caso, a usucapião especial coletiva exige o prazo de prescrição aquisitiva de cinco anos, conforme art. 10, caput, da Lei nº 10.257/2001. “. Portanto, conclui-se que entre o início da posse e a data do ajuizamento da reintegração de posse, transcorreu o lapso temporal de cinco anos para o reconhecimento da usucapião”, pontuou.

Da Norma Aplicável à presente demanda

Segundo o magistrado, com base neste espírito de compreender a moradia enquanto direito da pessoa humana, bem como do reconhecimento de que, embora necessário garantir o direito à propriedade, esta não deve se desprender de sua função social, o constituinte, ao tratar no Título VII da Ordem Econômica e Financeira, reservou o Capítulo II para cuidar da Política Urbana. Ainda, de acordo com ele, somente mais tarde, a respeito da Política Urbana, sobreveio a regulamentação, no plano infraconstitucional, pelo Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), um avanço relevante na luta por moradia e reforma urbana no Brasil, trazendo à tona princípios que valorizam o uso coletivo da propriedade urbana, como o cumprimento da função social da cidade e da propriedade.

“Porém, pelo mencionado diploma legal, introduziu-se no sistema outra usucapião: a usucapião coletiva urbana, voltada para núcleos urbanos informais, prevista no artigo 10, da Lei 10.257/2001, aplicável ao presente caso. Desse modo, impositiva a análise do preenchimento de cada um dos requisitos da usucapião especial coletiva para, uma vez declarada com aquisição da propriedade pelos moradores, constituir-se os moradores em condomínio, cada qual proprietário de uma fração ideal”, frisou Thiago Castelliano. (Texto: Arianne Lopes- Centro de Comunicação Social do TJGO)

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