Apesar de acordo entre governo e MP, delegacias não teriam estrutura para abrigar adolescentes

A falta de estrutura física e de pessoal das cadeias públicas do interior do Estado compromete o cumprimento do termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado entre a Secretaria de Segurança Pública e Justiça (SSPJ) e o Ministério Público (MP) estadual.

Na terça-feira, o titular da SSPJ, Joaquim Mesquita, assinou uma portaria determinando “que seja disponibilizado, de imediato, espaço físico adequado para a manutenção de adolescentes em flagrante de ato infracional”. A portaria abrange 20 delegacias, um centro de internação de adolescentes, uma unidade prisional e um batalhão da PM, totalizando 23 locais.

Muitos deles já vêm recebendo os adolescentes apreendidos em flagrante, que, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), podem permanecer em delegacias, em caráter excepcional, por até cinco dias, prazo máximo para que sejam encaminhados para uma unidade própria para o cumprimento de medidas socioeducativas. As condições em que esses adolescentes são recebidos nas delegacias, no entanto, são no mínimo inadequadas. O TAC foi assinado no ano passado.

Aparecida de Goiânia é um dos municípios mencionados na portaria da SSPJ. O delegado regional da cidade, Rener de Sousa Moraes, informou ao POPULAR que a medida já é cumprida desde o ano passado, quando foi firmado o acordo, e os adolescentes apreendidos em flagrante são levados ao 1º distrito policial, onde permanecem por até cinco dias. O delegado, no entanto, reconhece que as condições não são boas. “O prédio é muito antigo, o mais antigo da cidade. Estamos buscando meios para fazer uma reforma no local”, diz.

O titular do 1º DP, Eduardo Rodovalho, relatou à reportagem que a custódia dos adolescentes inviabiliza a investigação de outros crimes. Rodovalho observa que sua delegacia tem abrangência sobre aproximadamente 60 bairros da região central de Aparecida de Goiânia e ainda sobre a área onde fica o complexo prisional. “Tenho dois agentes de polícia. O número de adolescentes apreendidos vem crescendo, na proporção do aumento da violência, e não temos estrutura para recebê-los”, admite.

Recentemente, a cela destinada aos adolescentes no 1º DP de Aparecida foi danificada durante uma rebelião. “Temos feito o que é possível, mas não é o ideal”, reconhece Rodovalho. “Há cidades menores que Aparecida e que contam com unidades próprias para receber esses adolescentes. A cidade já tem cerca de 500 mil habitantes”, pondera o delegado. Um agente de polícia de outra delegacia que consta da lista da SSPJ também alegou falta de estrutura para receber os adolescentes. “O trabalho da Polícia Civil deveria ser de investigar e não ficar de babá de presos, sejam eles adultos ou jovens”.

Em nota, a SSPJ informou que está dando cumprimento a um TAC assinado em agosto do ano passado, proposto pelo MP estadual para a custódia dos adolescentes. No documento, prossegue a nota, a secretaria ficou responsável por providenciar locais para a manutenção provisória e o transporte dos adolescentes em flagrante de ato infracional. Segundo a assessoria de imprensa da secretaria, foram locados três furgões para que a Polícia Militar faça o transporte dos adolescentes de acordo com a necessidade. A PM e a Secretaria de Cidadania e Trabalho, que mantém as unidades de medidas socioeducativas, deverão definir a forma como esse transporte será implementado.

Coordenadora do Centro de Apoio Operacional (CAO) da Infância e da Juventude do Ministério Público, a promotora Liana Antunes Vieira Tormin afirmou ao POPULAR que o primeiro desafio foi garantir a existência desses locais, previstos excepcionalmente pelo ECA, para que os adolescentes permaneçam até serem transferidos para as unidades. “Nosso próximo desafio será garantir que esses locais tenham condições de salubridade e que os adolescentes recebam o atendimento adequado”, disse.

A promotora explica que há uma previsão expressa na lei de que a permanência dos adolescentes nas cadeias deve ter caráter excepcional, pelo prazo máximo de cinco dias. “Infelizmente, o uso desses espaços ainda é necessário em Goiás, mas estávamos com dificuldade até mesmo para identificar espaços para essa permanência provisória. “É importante deixar claro que as medidas socioeducativas não estão sendo cumpridas dentro das cadeias, porque isso é totalmente contrário à lei”, destacou. “Agora, temos esses locais”, concluiu.


Delegacia não tem cela para adolescentes

Na região mais violenta de Goiás, o entorno de Brasília, a portaria da Secretaria de Segurança Pública determina a criação de vagas para adolescentes em oito delegacias de polícia da regional de Luziânia. Uma delas é o 1º DP de Valparaíso. Em contato por telefone, o delegado do distrito, Nilton Pestana, disse que não tem cela para disponibilizar em sua delegacia.

“Não temos espaço aqui”, alegou o delegado ao POPULAR. Ele revelou que os adolescentes em flagrante infracional são levados para o 2º DP, onde funciona uma central de flagrante. Segundo o delegado, nem sempre o juiz local consegue vaga para transferir os adolescentes para centros de internação, no caso, de Luziânia e de Formosa. “Quando isso acontece, os adolescentes são liberados ao fim do prazo de cinco dias”, relata.

A portaria abrange também as regionais de Anápolis, Goiás, Itumbiara, Iporá, Rio Verde, Catalão, Uruaçu, Formosa, Porangatu, Posse, Jataí e Goianésia.

 

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