A cada três dias, uma brasileira busca o Poder Judiciário para oferecer seu próprio bebê à adoção. A entrega legal, e sigilosa, do recém-nascido, é prevista na Lei 13.509/2017, instituída com o objetivo de diminuir o número de abandonos, infanticídios, adoções ilegais e abortos. Para tratar o assunto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizou, nesta segunda-feira (25), uma live em seu perfil oficial do Instagram, com a juíza Maria Socorro de Sousa Afonso da Silva, à frente da Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO).  

A  movimentação pelas redes sociais foi idealizada pelo Centro de Comunicação Social do Tribunal de TJGO em comemoração ao Dia Nacional da Adoção e recebeu a adesão do CNJ e de quase todos os tribunais estaduais.  Participaram magistrados de todo o País, abordando diferentes aspectos do acolhimento institucional de crianças e adolescentes e da guarda por famílias adotantes.

Conforme abordou a juíza Maria Socorro, são muitos os fatores que levam uma mulher a rejeitar o filho recém-nascido: negação da família, ausência de condições materiais ou psicológicas para a maternidade, falta de apoio pelo genitor da criança, o fato de ser moradora de rua ou usuária de drogas, ou, ainda, vítima de estupro. O motivo, contudo, não deve importar para o Poder Judiciário, que tem a obrigação de acolher e orientar quem procura ajuda.

“É preciso que a sociedade não tenha um olhar preconceituoso e de censura. Essas mulheres chegam aos juizados muito receosas de serem julgadas, de sofrerem censura ou serem pressionadas moralmente. É preciso entender e compreender qual o sentimento verdadeiro daquela mãe. O objetivo principal é buscar resguardar o interesse dessas crianças”.

Respeitar a vontade da genitora

Ainda conforme a magistrada, a lei que dispõe sobre a entrega legal protege o direito de respeitar a vontade da genitora, resguardando seu sigilo. “Anteriormente, a Justiça buscava a família dessas mulheres, que acabavam acolhendo os bebês apenas por medo de serem julgadas por vizinhos e terceiros, o que podia acarretar em expor a criança a uma situação de vulnerabilidade no futuro”.

A magistrada citou, também, que o dever do Poder Judiciário é acolher, informar e acompanhar essas mulheres, que podem procurar a Justiça ainda durante a gestação. “A intenção é evitar que essas mães não façam a entrega dos bebês de forma espúria, irregular, para terceiros ou para o tráfico internacional de crianças”.

Aborto

A entrega legal tem o condão de oferecer uma alternativa às mulheres que mantém a gravidez, mesmo indesejada, a fim de evitar que elas recorram ao aborto. Apesar de ilegal no Brasil, a interrupção voluntária das gestações é bastante comum – a cada dois dias, uma mulher é internada por complicações decorrentes da prática clandestina, o que provoca um gasto de mais de R$ 150 milhões com saúde pública.

“O aborto é realizado independentemente da classe social. Contudo, a morte e gravidade mudam, sim, de acordo com o perfil econômico da mulher. A interrupção voluntária de gestações leva, anualmente, 250 mil a serem mulheres hospitalizadas, sendo 15 mil com complicações e 5 mil internações com muita gravidade”.

Para a magistrada, orientações a respeito da entrega legal e consciente podem ajudar a mudar as estatísticas. “O perfil mais desejado entre os adotantes é de recém-nascido”, salienta.

Adoção no Brasil

Há mais de cinco mil crianças e adolescentes aguardando adoção no Brasil, contudo, a fila de espera das famílias adotantes pode demorar até oito anos: a maioria dos pretendentes deseja bebês ou idade máxima de quatro anos. O perfil étnico não tem mais configurado entre critérios de adoção, com exceção dos estados da Região Sul, cujas famílias pretendentes preferem crianças brancas. Os dados são do CNJ, explanados na live desta segunda-feira (25).

Com apresentação do juiz auxiliar da Presidência do CNJ, Richard Pae Kim, e da subcoordenadora no grupo de trabalho de gestão dos cadastros do CNJ, Isabely Mota, o evento virtual trouxe estatísticas das crianças e adolescentes acolhidas institucionalmente em todo o País.

Dos cinco mil adolescentes e crianças disponíveis para adoção, 3.500 já estão em processo de aproximação com famílias pretendentes. Contudo, 1.500 ainda não encontraram uma possível família – são, na maioria, grupos de irmãos, maiores de 12 anos ou possuidores de deficiências e problemas de saúde. “Apenas 0,3% dos pretendentes aceita adoção com essas características. Esses meninos e meninas acabam crescendo e atingem a maioridade em abrigos e casas de acolhimento”, falou o juiz.

Segundo o magistrado, a adoção tem prioridade máxima para o CNJ, que investe no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e incentiva os Tribunais de Justiça de todo o Brasil a utilizar adequadamente o sistema, oferecendo a esses meninos e meninas o melhor atendimento possível.

Durante a pandemia do novo coronavírus, apesar da suspensão de prazos processuais em todo o território brasileiro, Richard Pae Kim falou que a Resolução 313 prevê a obrigatoriedade dos juízes decidirem todos os casos de processos de acolhimento e desacolhimento. “Todos os atores do sistema de justiça estão trabalhando fortemente, no menor tempo possível. É uma preocupação constante do CNJ”.

Mesmo com esquemas de trabalho diferenciados em razão das políticas de isolamento social, juizados e unidades judiciárias estão trabalhando, com audiências virtuais nesses casos. “A cada três meses, juízes fazem a reavaliação de casos dessas crianças e adolescentes. A destituição deve ocorrer em até 120 dias. O prazo é o mesmo para habilitação e da conclusão do processo de adoção”, afirmou o juiz auxiliar da presidência.

De 16 de março até 22 de maio, mais de 1.360 crianças que estavam acolhidas foram reintegradas aos genitores, e 360 estão com guarda com seus pretendentes. “Estamos priorizando a reintegração, para que esses meninos e meninas fiquem menos tempo institucionalizados, a fim de haver menor possibilidade de contágio (de Covid-19). Estamos aumentando programas de famílias acolhedoras e, quando não é possível a guarda, orientando acolher em grupos menores – antes, eram de até 20 crianças, agora, 10. Esse público já é tão vulnerável, estamos trabalhando para que não tenham mais a vulnerabilidade”. (Texto:Lilian Cury - Centro de Comunicação Social do TJGO)

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